sexta-feira, maio 18

DAMA do INFERNO


Antes rainha da noite,
Agora pedinte de meio expediente.
Vivendo das migalhas daquele passado
Em função de qualquer trocado presente
Nem parece que foste tão bela!
Suja e maltratada
Não é mais do que a rua esburacada
Não é menos do que uma cadela!
Cá, eu, enquanto poeta,
Vítima também do descaso
Sabido que a desgraça é certa
E felicidade é mero acaso
Entendo do cheiro da merda
E encontro sentido no estrago
Ah! Como a vida é mais fluída depois primeiro do trago!
O espírito encontra mais sentido na insensatez
Agora livre da pungente rigidez
É um corpo vazio que clama por gozo
Carne que inflama em alvoroço
Pensamentos que disparam em revoada
Euforia que corre nas veias a troco de nada
Olhos vermelhos de fumaça
Que ignoram a febre o tóxico
Que choram para dentro
E riem o mais puro ópio...
Portanto, se se vai morrer de qualquer jeito
Arranjem-me um leito qualquer
Para que possa mamar em teus peitos
Sugando a mesma claustrofobia do teu cachimbo
Permanecendo nesse mesmo limbo
Casarão abandonado em clausura
Abrigo da leptospirose e da loucura
Santuário da felicidade carcomida, corrompida,
Sugada, assim, de cada rachadura
Pois não sou eu, infelizmente,
Não sou eu,
Aquele que vai execrar os excessos da fissura
Não!
Não vou ser o falso Cristo das bocadas,
Condenando os que nas esquinas se consomem
Não sou aquele que vai dizer, dama do inferno,
Que nem só de crack vive o homem!

eXpurGo - EPISÓDIO 3

Égido não pôde evitar que uma lágrima espelhasse nos seus olhos a lembrança contida de um passado remoto, e Miguel nem cogitaria a hipótese de não ver naquele olhar o seu próprio reflexo deitado na praia ao lado de quem ele, àquela época distante, cria ser pateticamente o grande amor de sua vida. Uma reminiscência doce, vermelha e amarga de amantes ordinários e safados que se amaram no anoitecer de uma foda na areia com o mar acariciando seus pés, mas quem pensa que aquela noite ébria na praia, que me perdoem o clichê poético da frase anterior, foi uma noite metaforicamente romântica, hum!, digo-lhe que ela foi mesmo é euforicamente libertina. Detrás de uma pedra, sob a luz tênue de um holofote distante, de frente um para o outro, detrás de todos, duas pernas de não sei quem se levantaram, realmente não deu pra ver de quem eram devido à espessa penumbra e ao fato de este narrador não ser Deus...