sexta-feira, março 9

Baculejo


Oh my dindi...

Canto mentalmente de olhos semicerrados Tom Jobim made in USA deitado no último degrau da arquibancada com as mãos servindo de travesseiro.

Éguas! - murmura Fly e fica na sua fingindo falar calmamente com a gente tentando disfarçar qualquer coisa ilícita. Há poucos instantes acabávamos de encher de fumaça os pulmões de carbinóides.

Abro bem os olhos e é a policia em primeira marcha devagarzinho com seu réptil de alumínio que vem parando em nossa direção.

Dois guardas de uniformes cinzas e quepes saem do carro patrulha - o primeiro que desce tem estatura mediana, bíceps e peitoral largos de tanto levantar halteres e supinos retos e flexões de braços. Cabelo raspado. Parece novato. É um soldado li no seu distintivo, além do tipo sanguíneo. O segundo que desce parece vetereno na parada, é alto, negro, bigode e cara feia de sério, dá medo. Tem cara de matar bandido sem piedade. Esse cara de psicopata faz cobertura com um fuzil Magal – me lembrou os filmes policias americanos que via na TV à noite. Mas isso não é Hollywood será um baculejo.

Uma abordagem de rotina, aprendido durante um ano na academia de policia. São adestrados a caçar qualquer forma de desordem a comunidade como bons cães sociais. Somos os suspeitos dos olhos brisados. As ovelhas negras. Que mal fazemos? - “Eu não posso causar mal nenhum/ a não ser a mim mesmo a não ser a mim” – responderia Lobão e Cazuza em meados da década de oitenta. O local é suspeito – ponto de venda de drogas e boca de fumo - Uma arquibancada com vista a um campo de futebol com medidas não oficial que agora não joga ninguém e por isso os três refletores estão desligados.  Deixando o ambiente escuro. Além das grandes árvores de mangas, amêndoas e cajus que impedem parte da penetração das luzes das casas, postes e da lua e porventura de faróis de carros atravessando a rua paralela. Com o cimento da arquibancada cheia de folhas verdes, pardas, negras e frutas em decomposição exalando no espaço um cheiro meio doce azedo misturado com urina dos mixãos e fezes de noiados que cagam quando em pânico perdendo o esfíncter anal.

Um morador dali perto odiava aquilo tudo e informava as autoridades do bairro. Sem dúvidas, adorou os tempos da ditadura militar e bateu continência para um superior militar quando serviu o exército brasileiro. Quando se dormia cedo e havia poucos bandidos nas ruas e achavam que comunistas comiam criancinhas. Sem dúvidas, ligou também pro disque – polícia naquela noite. Um x-nove, dedo duro, cacueta, pau no cú e se acha um “bom cidadão” que tem certeza que a juventude de hoje esta perdida.

Boa Noite! Vou fazer uma revista de rotina. Levante-se e fiquem um ao lado do outro num espaço de um braço esticado. - Disse o soldado que veio até nós sendo educado e firme. - Fizemos o que pediu.  - Levantem os braços agora e afastem as pernas. - Da esquerda pra minha direita inicia a busca por drogas. Cabelo, Peito, barriga, genital, bolsos das bermudas.

O que tens aí?

Parou no fedorento do Pequeno Michael. Ele tira uma caixa de fósforos do seu bolso lateral. Abre e só tem palitos. Sorte sua e azar do guarda. E continua. Chega a minha vez. Viro e prendo minha língua no céu da boca pra não rir, mas acabo rindo discretamente. O guarda toca na minha carteira no bolso traseiro da bermuda jeans. Tenho uma bala dentro. Droga(de verdade)! Me vejo indo pra policia prestar depoimento, levar um sermão sobre o uso de entorpecentes, comunicarem meus responsáveis e vexame total com a família. Mas nada disso acontece, o guarda não pede minha carteira. Eu não sou negro, não tenho tatuagens, e minha roupas estão limpas, talvez isso me ajudou. Quase chamo o guarda de preconceituoso e digo que tou com um flagrante.

O baculejo acaba.
O guarda agradece e saem fora no réptil de alumínio.
Sem drogas. Sem crime.
...

Todos rimos daquilo tudo depois. 
A lombra até passou com essa interrupção.

Alguém tem um careta aí? – Alguém entre nós pediu.