segunda-feira, agosto 15

nos encontremos onde não haja caos

Ela vem. Ela passa por mim. Sinto seu cheiro. Doce. Ela não me olha. Ela some na multidão. Na direção do sol. Linda. Muito Linda. Olhos de um mel brilhante, um cabelo liso até as costas. Uma cintura ondulada. Pernas compridas, longas. Ela se encosta na parede com uma das mãos nas costas. A outra segura um cigarro. Ela olha para cima, solta a fumaça. Ela tem todo o tempo do mundo. Me perdoe descrevê-la dessa forma, mas acho que estou meio tonto por causa do whisky e a chuva embaça a minha visão. Logo vou para casa. Já disse uma vez, não estou aqui para falar de amor, garota! Quero lhe contar sobre a vida. Sim, a vida, porra! Presta atenção. Você já acordou no meio da noite, olhou o seu quarto, escuro, e se perguntou o que havia ali naquele espaço? Eu acordei assim essa noite. E na noite anterior também. Não ri, garota! Serve mais whisky, antes que o copo esvazie. E presta atenção. Na noite anterior, eu olhei pela janela e, droga garota, não vi nada de mais. Carros. Pessoas. Aviões. Pessoas. Chuva. Ah! Como chove em São Paulo. O quê? Você quer que eu te escute mais? Escutar o quê, gata? Você só sabe falar das suas amizades hipócritas e suas roupas etiquetadas e suas conquistas que têm valor algum para mim. Escuta aqui, menina, eu to cansado de ouvir você reclamar da vida desse jeito. Droga, eu to me lixando para suas mágoas de amor. Esse seu remorço com as coisas do passado. O passado não existe. Assim como o futuro e o seu status que você tanto se preocupa. O que eu tenho a dizer sobre a sua roupa, gata? Nada abaixo de 100 reais. Aliás, a maioria aqui nesse bar não usa nada abaixo de 100 reais, né gata? E o cabelo? Você alisou. Quase todas as garotas aqui também fizeram isso. Qual seu problema, ein garota? Auto-estima? Eu sei, você precisa ser aceita, né? É o seu troféu. Fique com ele. Mas me deixa com o whisky. Ele vai estar do meu lado amanhã. Ao contrário de você, né gata? Olha, só não me venha falar das suas mágoas denovo. As pessoas estão morrendo de fome, de tédio, de tristeza de verdade. E você aí nessa sua bolha. "Eu-eu-eu-eu". Uma vez, uma bomba-atômica explodiu, sabia? Claro que sabia. Mas o problema não são as bombas-atômicas, minha cara. O problema são as pessoas como você. Que merda você tem na cabeça? E as suas amigas, que merda elas têm na cabeça? Acha que estou errado, não é? Mas e quando acabar esse whisky e eu te colocar contra aquela parede você não fará nada. Não tentará me impedir. É isso que você quer. É isso que importa. Você quer me dominar. Você precisa se sentir poderosa, né gata? O problema não é a bomba. Não é o poder. É o coração, garota. Você usaria uma bomba por poder, assim como usa o seu corpo. Ninguém usa o poder para o bem, gata. Todo mundo sente dó dos que morrem de fome, dos que morrem de bomba-atômica. Mas todos dão 100 reais numa blusa, tá vendo, moça? Olha a seu redor. São todos iguais. Poder. Nada é real. Quase nada. Quase nenhum sorriso é real. Viu só? São tudo negócios. É o jogo do poder. O que me diz, gata? Tá me olhando assim, porque? Minha vez de servir. Meio a meio? Claro que sim.
Eu fico esperando, entende? Eu ando por aí com a minha jaqueta cinza atrás daquela garota solitária. Eu sei que ela deve estar por aí. Debaixo de alguma escada. Escondida. Ela não deixaria o mundo sentir o gosto das suas lágrimas. Ela, assim como eu, não suporta esse cheiro de morte. Entende, garota? Acho que sim. Deixa pra lá. Põe a blusa. Vou te levar pra casa. Hoje vou dormir mais cedo. Amanhã vou acordar junto com a luz do dia. Vou amar loucamente qualquer um que precisar de mim. Vou afagar qualquer dor. Sem pressa. Para onde eu iria? E depois, quando o sol morrer, não me procure, garota, não me procure.

Despedida aos 18

- Queria te dizer uma coisa?
Dei uma inflexão séria pra que tivesse um maior efeito.
Mas estava com um cara de desapontado de fala insegura de desconcertado mexendo e coçando os cabelos absurdamente. Ela, sem dúvidas, deduziu o que eu ia falar com minha expressão de iminente desastre.  Me olhava com um cara de cachorro tomando banho.
Sabe?! Dá um dó que dá uma opressão no peito e um sentimento de compaixão instintivo e repensar em tudo que vai dizer.
Respirei fundo e disse de supetão sustentando o olhar. Era importante sustentar. O mento levantado. Deveras importante sustentar o olhar. Me fingir de forte pra dizer palavras dolorosas. O ser humano é um teatro:
- Não podemos continuar mais juntos.
- Mas estou apaixonado por você. – ela não mentia. O desespero não mente.
Paixão. Paixão é o que move as pessoas?
- Dorme comigo pelo menos uma ultima noite.
Sexo. Sexo é que move as pessoas?
- Certo. – E não a adverti sobre nada.
Dormi com ela. Fiz amor (mentira). Transei com ela. Nos despedimos na cama.  Não iria perder essa chance de fazer acrobacias na sua cama de casal. Devo acrescentar com cínica poesia que sua pele cabelos pernas lábios rosas menores e maiores era flores doces sem espinhos.
Sou um oportunista filha da puta?
Não!
sou piedoso?
Não.
Sou apenas um jovem desencontrado?
Também não. Droga!
Deus vai me salvar pelas minhas boas ações?
Se pelo menos acreditasse nele.
Ah... Ela tinha mais de uma década na minha frente. Ela gostava do meu charme. Dos meus músculos. Do meu órgão na linha do equador protuso. Vinha de um casamento belo e romântico e depois a decadência do Império Romano e o retorno à religião. No inicio transas em piscinas e  depois de alguns anos ejaculações precoces. Foi pra religião protestante salvar o casamento. Mas deus deu palpite em vão. Uma mulher divorciada e vazia. Novidade?
- O que ela queria comigo?
Talvez encontrasse em mim uma juventude perdida.
Um riso de felicidade eterna.
Uma música.
Um filme.
Tiramos um foto juntos e um sorriso. Fomos felizes, não para sempre.