quarta-feira, novembro 30

Beira-mar.

O Café Literário no Odylo.

Vou logo avisando; Um comentário bem  insosso.
Que me lembre nesses vinte e tantos anos é a primeira vez que fui a um CL. Ao meu lado, o poeta Zé Maria Medeiros, e do outro, com certeza, um poeta também, ou talvez um desavisado que chegou ali.
Ninguém da nossa mesa sabia quem eram os palestrantes – mas depois de muitos minutos deciframos os nomes – Ewerton e Ronaldo – ambos poetas e escritores premiados pelos editais de cultura da cidade.
As perguntas dos ouvintes; O gênero romance vai acabar com toda essa tecnologia? Como é seu processo criativo? Você escrevia prosa e agora poesias, por quê?
(Com a fome de Zé Maria e o velho ao nosso lado comemos bastantes salgadinhos com refrigerantes e sucos regionais, que no fim são de nossos impostos, que nos desviava um pouco da atenção das falas).
Mas, amigos, descobri pela pergunta de uma ouvinte que o Maranhão havia recebido o título de Atenas Brasileira, pois aqui havia um tempo grandes poetas e segundo ela, agora, tínhamos mais prosadores, em vez de poetas.
O que fez Ewerton responder que não sabia se isso era verdade, e citou alguns poetas de renome nacional que morava aqui: Nauro Machado, Luís Augusto Cassas, e outro que não lembro o nome e talvez mais outros.
Lembro que Everton disse que Chico Buarque não era romancista, porque ia se isolar em Paris para escrever e também o Jô Soares porque fazia pesquisas bibliográficas para escrever seus livros . E que o verdadeiro romancista estava nas ruas, cantando sua aldeia, sabendo sei lá se vai ser descoberto, lido, reconhecido, pois escrevia por uma necessidade.
Lembro que Ronaldo disse que para escrever necessitava sair de seu objeto para ver melhor seus personagens, o contexto, etecetera o que vai de encontro às palavras de Everton sobre o verdadeiro romancista.
Contradições à parte. O Igor chegou, e na mesa já tinha sentado outro escritor (não lembro o nome) e pela 1º vez alguém me falou que tinha sido um ghost write pra ganhar grana (espécie de prostituição literária). Bacana. E também que já viveu só das letras (coisa rara).
Comprei o livro do Ewerton, por curiosidade e pra valorizar o que de certa forma é nosso.
Ah... Uma coisa, talvez, meio babaca pra alguns, mas pra mim de grande relevância. O Luís Augusto Cassas estava lá. Vontade de falar com ele. De dizer que o seu livro foi o primeiro que tinha lido ainda criança, e depois quase todos os outros. Mas preferi ficar na minha.
Eu avisei  que o comentário era insosso

terça-feira, novembro 29

Rompendo a Hierarquia, Ordem e a Disciplina

Desde o dia 23 de novembro (Quarta feira) a Polícia Militar do Maranhão e Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão de forma heróica e histórica estão fazendo a greve por tempo indeterminado por causa da intransigência do Governo do Estado que se recusa a dialogar com os policiais e bombeiros.
Não pensem vocês que eu exalto a polícia, porque eu reconheço que a mesma é o órgão repressor do Estado sobre a sociedade principalmente aos mais pobres e excluídos, muitos não vêem com bons olhos essa greve dos policias por causa da violência praticada a população, quem não se lembram do caso pedreiro José de Ribamar Batista que foi morto por policiais por supostamente não ter pagado o posto de gasolina após encher o tanque do seu carro e em seguida fugir até ser capturado (Versão da policia)?
Eu tenho motivos suficientes para não confiar na corporação e muito menos das pessoas que fazem parte, mas tenho amigos policiais principalmente do curso de História da Universidade Federal do Maranhão que eu os conheci especialmente da minha turma 2004.2, e eles sabem do meu posicionamento em relação à PMMA, até o momento da minha vida nunca fui vítima da violência policial, mas fui abordado de forma arbitrária e com abuso de autoridade.
A forma truculenta e repressiva que agem os homens e mulheres da polícia ajudou a construir a imagem negativa e contestação da sociedade, sendo compreensível o não apoio e a indiferença de alguns setores da sociedade sobre a greve e colocando-se contra os mesmos diante do caos que se encontra a segurança pública no estado.
Mas deveremos ter a compreensão que por trás das fardas, são homens e mulheres, pais e mães de família, o risco que corre o trabalhador ou trabalhadora ao sair de sua para o trabalho e não voltar no final do dia por causa da violência das grandes cidades, seja por bandidos ou pela policia, é a mesma sensação sentida por estes homens e mulheres que usam a farda, sendo que são também mal vistos por bandidos, porque se cair nas mãos deles, terá a sua vida ceifada, porque o papel da polícia é matar bandido, havendo aí uma eterna “rixa” entre eles.
A sociedade está cansada de saber da violência praticada pela policia, mas não sabem o que eles passam nos quartéis e muito menos nos subterrâneos, onde são explorados e humilhados por seus superiores sendo tratados como animais, a dignidade humana é uma palavra inexistente nos quartéis militares.
Os homens e mulheres são treinados para ser uma espécie de máquinas, como na série americana que fez sucesso nos anos 1990, o Robocop, fazendo serem tratados dessa forma pra colocar a sua vida em risco com a carga horária excessiva com a remuneração baixa e sem a proteção e armamento devidamente assegurados.
A relação entre o Estado e a Polícia Militar é comparado com o dono e o cachorro, em que o cachorro está sempre a disposição para proteger o seu dono, a família do dono e toda a propriedade privada, em troca muitas das vezes é o que se vê é o dono tratar o seu cachorro da forma mais degradante e humilhante e mesmo assim muitas das vezes o animal está sempre a disposição do dono, demonstrado lealdade e fidelidade, tornando-se o melhor amigo do homem.
Essa é a relação do Estado com a Polícia Militar, que sempre esteve a serviço da manutenção da ordem e da propriedade privada, mas nunca foram reconhecido por prestar esses serviços, exceto a alta patente da corporação, a Polícia Militar do Maranhão foi fundada/instituída no século XIX justamente no período em que o Brasil e o Maranhão viviam num regime monárquico-imperial-escravista, com a sociedade quase estamental em que a minoria privilegiada sempre esteve no poder e usufrui das benesses do Estado.
O estado que historicamente sempre foi governado por grupos políticos oligárquicos, a PMMA sempre foi usada como instrumento de interesses da classe política e reprimir qualquer insatisfação popular, numa repleta troca de favores.
A Polícia Militar do Maranhão, dos demais estado da federação e próprio exército, marinha e aeronáutica são as instituições que não mudaram com o passar do tempo, o Brasil hoje vive um momento político muito diferente ao que era nos séculos anteriores e num passado recente, em que a democracia é o sistema vigente com o caráter republicano.
Mas esses órgãos de repressão vivem como se estivessem nos séculos anteriores ou no passado recente com as mesmas práticas, lembro-me ano passado no período das eleições para Presidente da República e Governador dos Estados um debate que eu assisti onde estavam todos os candidatos, inclusive a atual Governadora do Maranhão, e fizeram uma pergunta ao candidato Marcos Silva do PSTU o que ele faria na segurança pública caso ele fosse governador, o mesmo respondeu que iria humanizar a polícia, muitos viram como deboche porque muito amigos meus de faculdade que eu conheço com formação marxista não acreditam na humanização dos policiais, e ironizaram pelo fato do Marcos ser da mesma vertente política e ideológica.
A idéia de propor a humanização da polícia não deixa de ser interessante, porque o modelo de segurança pública imposto pela elite dirigente dos órgãos são arcaicos e ultrapassados, não condiz com o regime democrático e republicano. É necessário o debate a que tipo de segurança pública que queremos, porque a idéia de humanizar os policiais não será feito num passe de mágica e é a curto, médio e longo com a participação de todos os segmentos e esfera da sociedade, não apenas entre o Estado e própria policia.
A greve da Polícia Militar do Maranhão é louvável e heróica, porque quebra um dos principais pilares que sustenta a hierarquia, ordem e a disciplina: a proibição de fazer greve.
Algo que talvez nunca ocorreu na história do Maranhão,as reivindicações não se resume apenas ao reajuste salarial como gosta de afirmar a imprensa para dar impressão a opinião pública que a exigência dos mesmos se resume somente a isso.
A reivindicação policial está mais associado a dignidade humana, como eu disse anteriormente, essa palavra inexiste nos quartéis militares,e as reivindicações além do reajuste salarial e reposição das perdas salariais dos anos anteriores são:
- Regulamentação da carga horária de serviço nos termos previstos na constituição federal do Brasil de 1988;
- Implantação da carga horária de serviço nos termos previstos na constituição federal do Brasil de 1988;
- Fim da aplicação do regulamento disciplinar do exército para policiais e bombeiros militares do Maranhão;
- Garantia de promoção de policiais e bombeiros por tempo de serviço previsto em lei (pela meritocracia para os cargos e o fim da indicação política);
- Eleição da lista tríplice para o Comandante Geral com a participação de todos os integrantes da cúpula da PMMA e CBMA (maior autonomia a Polícia e aos Bombeiros);
- Anistia e o fim de represália a policiais e bombeiros envolvidos no movimento.
Como vimos, essas reivindicações rompem a velha estrutura vigente na policia e no corpo de bombeiros, deixando o governo do estado atônito porque subestimou a manifestação dos militares, é como o cão mordesse o seu próprio dono, sendo que o mesmo nunca imaginaria que o seu animal teria a coragem de mordê-lo, a Polícia Militar que historicamente sempre serviu de cão de guarda ao estado e a classe política, resolveram dar um basta nessa situação.
Cansados de serem explorados e humilhados pelo governo e seus comandantes, onde o serviço prestado pela segurança do governo é precário em que nos últimos tempos o que se viu foram as rebeliões que resultou de muitas cabeças decepadas, e todo o serviço é precarizado inclusive o IML (Instituto Médico Legal).
A Governadora Roseana Sarney demonstrou mais uma vez que não tem capacidade de estar a frente do governo, não tendo a mesma inteligência e a sabedoria do seu pai (José Sarney) que o colocou no governo através do golpe via judiciário em 2009 que resultou na cassação do ex-Governador Jackson Lago, o que se vê é a família Murad governando o estado, sendo governadores de fato como o secretário de saúde Ricardo Murad (cunhado da governadora) e o Jorge Murad (marido da governadora e irmão do secretário de saúde), e ela numa espécie de fantoche e com arrogância de querer se recusar a dialogar com a categoria.
E solicita os homens do exército e da Força Nacional, no intuito claro de não querer o diálogo e usar a força pra reprimir o movimento, a presença do exercito é falsa, pois o contingente de homens é insuficiente para a cidade de São Luís e todo o estado, sendo que a maioria dos soldados são jovens de 18 a 21 recrutados que recentemente foram alistados, os mesmos não tem preparo nenhum para lidar com a população nas ruas e principalmente no cotidiano.
Jovens esses armados de fuzis, quem conhece sabe o poder de destruição que causa o tiro dessas armas, causando danos irreparáveis no corpo da vitima, podendo atingir mais pessoas envolta devido ao alto poder de destruição. O governo do estado é o próprio responsável por esses caos que está vigorando no nosso estado. E a greve dos policiais e bombeiros são legitimas.
Porque são trabalhadores também, que são constantemente explorados e humilhados, sendo tratados como animais ou o ROBOCOP. A policia e os bombeiros precisam rever conceitos e rediscutir junto com a sociedade o modelo de segurança pública.

domingo, novembro 27

Obrigado por fazer amor comigo assinado: Vanessa.


Já passava da meia noite quando Morávio andava há 40 km pela orla da praia, destino esse que ele fazia a alguns meses, quando a insônia insistia em voltar. Neste dia algo chamou sua atenção diferente das outras vezes que passou por ali. Andando à mancar estava uma mulher que, usava um vestido prata, parecia ter machucado o pé, segurava nas mãos as sandálias de salto alto. Morávio parou e observou aquela mulher passar próximo de seu carro, percebeu na pouca distância que ela chorava copiosamente, por um instante pensou em ligar o carro e continuar seu passeio pela avenida vazia, mas resolveu seguir lentamente aquela mulher, a cada metro que o carro percorria a frente ele olhava a mulher intensamente, porém ela parecia o ignorar completamente, talvez o motivo do seu pranto fosse suficiente para que essa percepção não acontecesse. Morávio foi tomado por uma certa angústia com a cena. Subitamente parou o carro e começou a seguir aquela mulher, apressou o passo queria chegar mais perto dela, compartilhar da dor, saber o motivo das lágrimas. Ao perceber sua aproximação ela se pôs a correr em direção a areia da praia, ele também, ela jogou fora as sandálias e se jogou em meio às ondas que quebravam sem o menor pudor naquela madrugada. Morávio aumentara mais ainda sua angústia, não restava nada a fazer do que adentrar o mar em busca daquela coisa quase sem sentido.

Após alguns mergulhos ele conseguiu abraçar sua cintura abaixo do nível do mar, por uns segundos ela tentou se desvencilhar, depois exausta convalesceu nos braços dele. Ao iniciar o retorno a areia da praia ele pode observar melhor os traços daquela mulher, a maquiagem borrada por conta do sal das lágrimas e do mar.

Polícia Universitária

Há poucos dias o Brasil presenciou mais uma violência policial com os estudantes, e mais uma vez na USP (Universidade de São Paulo) na capital paulista (São Paulo) que prenderam os estudantes por supostamente portarem maconha.
Essa atitude foi o estopim para os estudantes do FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da mesma instituição entrar em confronto com os policiais e ocupar a reitoria.
A grande imprensa deste país, no caso a Rede Globo, Bandeirantes, Record, SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), Redetv e outras como de costume, estava contra os estudantes a ponto de alguns jornalistas chamarem de “vagabundos”, baderneiros” e outras denominações que todos já conhecem.
Mas antes desse fato ocorrido um estudante foi assassinado dentro das dependências da universidade, e esse incidente não é isolado porque outros casos semelhantes já ocorreram, eu particularmente não conheço a USP, mas quem conhece falam que a área da universidade é imensa e com localidades bastante sinistras principalmente a noite, propicio a assaltos, roubos, furtos, estupros e outros tipos de violência.
Vamos ao caso do Campus da UFMA com a sua grande área, mas não tanto quanto a USP (a meu ver), já houve roubos, assaltos, estupros e outros, como não querer a segurança dentro da instituição com esses problemas?
Lembro-me em tempos de movimento estudantil que alguns segmentos pregavam a retirada dos seguranças armados e uma segurança sem armas, como podemos querer seguranças sem armamento se a UFMA está localizada nas áreas mais violentas de São Luís? não se trata de defender o policiamento e a repressão.
Porque a segurança no campus da UFMA ou em qualquer instituição público de ensino superior no Brasil afora que passa pelo mesmo problema é necessária, a questão que deve ser discutido pelos estudantes, professores e técnicos é que tipo de segurança que deve ser implantada nas universidades.
Porque a atitude da Polícia Militar de São Paulo na USP foi autoritária, porque o consumo da maconha não é crime de acordo com a nova lei, o usuário/dependente químico não deve ser tratado como criminoso também de acordo com a nova lei, se a policia e a grande mídia afirmam o uso da droga, cadê as provas? Quem foram esses estudantes? Se os grandes veiculadores da noticia no país afora estavam propagando que os estudantes não devem ter privilégios, nem usar drogas nas universidades e serem tratados como pessoas comuns, eu pergunto novamente. Cadê as drogas? Que quantidade era para ser caracterizado como tráfico? Quem são esses estudantes? Não houve em nenhum momento documentos com fotos ou testemunhas para provar. Creio eu que a maconha foi apenas um estopim para a polícia exercer o papel de repressor contra os estudantes. Porque o atual reitor da universidade é intimamente ligado ao governo tucano paulista. É apontado por muitos estudantes como autoritário e rege a instituição a mãos de ferro.
Todos nós conhecemos que o uso da drogas sempre foi o tema de debate nas universidades, uso das mesmas é ocasionado a vários fatores, recentemente o STF (Supremo Tribunal Federal) respaldou a marcha pela legalização da maconha por reconhecer que é uma liberdade de expressão e é legitimo o debate em todas as esferas da sociedade.
Portanto, a atitude policial foi extremamente arbitraria no intuito de reprimir os estudantes a todo e qualquer custo, mas com todo esse incidente que não é isolado continua sendo importante a existência de uma segurança nas universidades, mas que tipo de segurança e sendo especifica a lidar com o cotidiano dos estudantes.
Todo e qualquer órgão de segurança é repressor, e isso é fato, mas há diferenciação e funções diferenciadas aplicado por cada instituição, por exemplo, a Polícia Federal e a Polícia Militar nos estados são repressoras, mas com o papel diferente em suas funções.
A Polícia Universitária nas universidades seria importante, porque a função aplicada seria diferenciada com os demais órgãos de seguranças, especialmente a lidar com os estudantes e o ambiente estudantil e acadêmico.
Seguindo assim, a segurança é necessária, mas que tipo de segurança queremos nas universidades? Porque com a segurança já é um problema e sem ela é pior ainda.

sexta-feira, novembro 25

6 Meses de .continuand0

Entre trancos e barrancos e pedras no meio do caminho ( só pra citar Drummond,  lugar comum nos cafés filosoficos), venho daqui do mais pseudo intelectuais lugares dizer com um imenso prazer, como, o sol de verão ( que merda é essa que to falando).

Sim, oh yes! São 6 meses. Daqui a 3 meses nasce uma criança, como ela vai ser ?
Sei que o blog tá ficando literario, como disse a IN e ele respondeu: - é bem melhor, pois atemporal.

Daqui a 100 anos nossos bisnetos olharão o blog ( se o calendario Maia estiver errado e a  internet não ser uma coisa retrô) e o .continuando estará numa espécie de biblioteca virtual de blogs ou cemitério. Eles comentarão:

- Naquela tempo se falava português no Brasil e ainda se escrevia poemas....hehehehe.... Bando de rolaplix (gíria da época)

Mas valeu a todos que contribuiram a essa blog e que contribuem.

vou chorar. :)

Teus olhos de mar

Eu na terra e minha linha n’água”


(Fala de um pescador desconhecido na Beira-Mar)



Dá uma vontade quase mortal

De ser o mar...

E de me encontrar em ti.

Navegar de manso igual a calmaria

que mareja teu olhar, teu ser.

O sabor marítimo que lança teus dedos

Joga-me contra as pedras da beira-mar.

Olha-me como ondas mais violentas de um mar revolto.







terça-feira, novembro 22

JÁ TE CONTEI DA PRIMEIRA VEZ QUE FIZ UM PROGRAMA?

           

Na época as coisas estavam um pouco apertadas. Parece um bom argumento: a necessidade. Mas não era para tanto. Não passava fome. Apenas sentia o golpe profundo e covarde do dinheiro do aluguel. Uma espécie de extorsão velada: paga ou vai dormir na rua.

Volto a insistir, as razões que me levaram a prostituição foram de outra ordem.
Na verdade, foi mais um acidente.
Foi Cristiane.
Perfil de Cristiane: Uma coroa. Uns quarenta para cinqüenta.  Conservada (se fosse um carro). Gostosa (se fosse mais nova). Rica (Aqui não cabe compações).

Encontramos-nos certa vez. Ela me sorriu. Aliás, Cristiane tinha o poder de se comunicar por seus sorrisos. Através deles, ela podia convidar para o motel, dizer que não gostou de determinado comentário, conversar sobre Foucault por duas horas e meia. Falei que eu era estudante de história. Ela sorriu. Falei que morava em uma república. Novo sorriso. Disse que me interessava por cinema e que arranhava um violão e que detestava crianças. Ela não sorriu. Eu sorri. Ficou um clima...

- Quer uma cerveja?
- Sim... Ela voltou a sorrir. A música do bar voltou a tocar. As pessoas voltaram a circular. A conversa fluiu. Fomos para cama. Foi uma noite perfeita. Sexo, embriaguês, carona para casa – no carro dela, é claro.

Saímos durante umas três semanas. Ela pagava o jantar. Iámos para boate. Ela dizia “Não, eu faço questão”. Eu, “tudo bem”. E assim nos entendíamos. A situação não me incomodava. Quer dizer. A única coisa que me incomodava, de certa forma, era o fato de eu não me incomodar. Estava mais do que claro que eu era um liso e que ela queria a companhia de uma rola a qualquer custo. As mulheres dessa idade, quando se permitem, se agarram a um pau como se segurassem uma bóia de salva-vidas. Elas transam com uma espécie de furor. Fazem de tudo como se quisessem recuperar o tempo perdido ou como se não tivessem mais tempo.

Safada...

No entanto, ela consumia quase todo meu tempo. Era uma espécie de fogo inextinguível. Tinha impressão que me comia vivo. Que tentava, nesse querer desenfreado, sugar minha alma através de seus orifícios. Creio até que emagreci, veja só! Precisava de espaço, de tempo. Pela primeira vez, senti saudades do meu curso de história e, por incrível que pareça, saudades de entregar meus trabalhos dentro do prazo.

- Cris... Não posso mais sair...
- Ah... O que foi, gatinho?
- Preciso... eh... preciso... eh...
- Hum...
- Terminar a resenha de um livro...
- Ah, que penah!...
- Pois é...
- Logo hoje que eu... (Censurado)

E depois dessa noite decidi não mais encontrá-la. Ela insistia, por seu turno. Mas eu fui resoluto. Não, definitivamente, não! Mas ela ligava. Todo dia. Duas vezes por semana. Uma vez. De vez quando. Quando o telefone tocava já sabia quem era. Ficava olhando para visor do celular tentando esboçar alguma desculpa. Eu perguntaria sobre sua vida. Ela, sobre a minha. Respondia tudo automaticamente, como se estivesse ligado no modo “seja simpático!”. E certa vez, não sei exatamente como fomos parar neste assunto, conversamos sobre dinheiro, mas precisamente, sobre minha situação financeira. Ela ficou sabendo que eu era um liso (fingindo que isso se tratava de uma novidade) e que eu, por incrível que pareça, tinha algum orgulho e que a situação de estar saindo com ela – ela pagando tudo – me incomodava.

- Que besteira...

- Eu sou homem, entenda...

Apesar de ser homem, era a primeira vez que falava isso, assim, diretamente, quase francamente. “Eu sou homem”, fiquei repetindo isso na cabeça, como se fosse ao mesmo tempo homem de fato e uma criança de 10 anos com um lençol amarrado no pescoço me imaginando o próprio superman.

- Vamos transar, deixa de ser bobo, é só umazinha...
- Eu já disse, Cris, não posso voltar atrás... Eu sou um h...
- Eu pago!
(pausa)...
(pausa de novo)
- Você louca... Eu não aceitaria esse tipo de...
- trezentos reais!
(pausa)...
(pausa novamente)
(só mais um pouquinho)
- Você está de brincadeira...   
- Falo sério!...
- Não posso aceitar...
- Trezentos!
- Que horas?
- Dez e meia... Você quer que eu te busque?
- Pode deixar... Pego um taxi!
(Claro que iria de ônibus. Falei taxi para parecer um pouco mais independente)

 Estava, a partir daquele instante, contratado. Pensei em pegar o telefone e cancelar. Mas desisti. Já tinha bancado o menino demasiado. Já era hora de agir com veemência. Chegar e lhe dizer...

- 20 comer e pegar o dinheiro, ordinária!

Fiquei refletindo da vez em que fui assaltado e o assaltante me chamava apenas de vagabundo. “Passa o dinheiro, vagabundo!”. Quando na verdade era ele que... enfim, ele estava com uma arma e não quis corrigi-lo. Ao me tratar assim ele esquecia que era de fato um bandido. No lugar disso, ele cumpria uma espécie de dever que lhe fora imputado por não sei quem. Não sei por que faço essa analogia. Mas o interessante é que, na hora em que fui contratado para ser michê, tive o ímpeto de chamá-la só de puta! De bater em seu traseiro chamando-lhe de puta. “Tu é puta, sabia? Tu puta!”. Dizendo isso com a entonação de um ator pornô com um sotaque carioca, com a voz meio nasalizada, fazendo chiar o ‘s’ e estendo a última sílaba como se houvesse a letra ‘h’ no final de cada palavra.  “Tu uma putah! Cashorrah!”.

Sai de casa.

Peguei o ônibus.

Desci do ônibus.

Parei por um instante na calçada. Olhei o veículo indo embora e desaparecendo na esquina. Estava sozinho. Fiquei nervoso. Só tinha um texto ensaiado. Uma três frases mais ou menos. Quer dizer, uns três palavrões (vagabunda, ordinária, puta). De resto, bastava assumir uma postura de quem não está nem aí. De quem só veio para comer mesmo, enfim.

Mas eu não conseguia entrar no clima. O que se apossava de mim era um enorme receio. Ia para casa dela para cumprir um serviço. Ela me contratou. Eu teria que ir lá. Teria que fazer valer trezentos reais de sexo, puta que pariu, como contar? Se for por metida, quanto será que vale uma metida? Dois reais? Cento e cinqüenta metidas será o suficiente para satisfazer uma mulher? É melhor ficar em cinquenta centavos. Seiscentas metidas. Não é possível... Acho que basta. Esse é meu preço! Uma pirocada: cinqüenta centavos. 

Merda!

Sem mais tempo para pensar.

Toquei a campainha. Uma vozinha lânguida saindo pelo interfone disse “Tá aberto” - rindo logo em seguida, querendo dizer que também tinha falado uma sacanagem. Ela estava no ponto. Eu... Eu tinha esquecido meu texto e a única coisa que sabia repetir para mim mesmo era “o que que eu estou fazendo aqui!”.
Ela abre a porta...

– Boa noite...

Ela estava tentando ser sexy. E, talvez, por perceber esta tentativa enquanto uma tentativa, eu, definitivamente tinha travado.

- Com licença...

Entrei de uma vez, antes que, na porta mesmo, tivesse que mostrar o meu serviço, se de fato tinha as qualificação para tal empresa, se valia este empreendimento, se estava preparado de fato para enfrentar os desafios do mercado de trabalho.

- Você quer beber?

- Quero!
(“Pelo amor de deus”. Foi o resto da frase que não disse.)

Estava sem reação.  Ela voltou. Reparei que usava um chambre preto, meio transparente. Que era muito baixa sem o salto, que os peitos, sem o sutiã, pareciam mais caídos e que a maquiagem não escondia perfeitamente os traços da velhice.

- O que você tem?
- Eu? Nada...
- Você está meio assim...
- Tive um dia ruim, é só isso...
- Você tem certeza que quer fazer isso?
- (hesitante) Sendo sincero eu acho que...
- Você prefere o pagamento antes, ou depois?
- (convicto) Antes!
- Está aqui...

É preciso ter muito virtude para recusar dinheiro. Principalmente quando o caráter é flexível e a moral é subornável. Aceitei automaticamente. Coloquei as notas no bolso, socando-as para dentro, querendo que essa parte do pagamento, a mais humilhante, passasse o mais rápido possível. Terminado isso, me transformei em um produto. Era dela e teria de fazer o que pedisse.

- Tire a roupa   
- Pois não!
- Você está sendo muito profissional...
(Nesse métier de garoto de programa ser muito profissional é uma crítica)
- Desculpe, senhora... (merda!)

Para compensar a polidez, a peguei pela cintura e afundei minha cara em seus seios. Tinha que prolongar ao máximo esse impulso repentino que tive e aproveitar meu lapso de ereção. Tirei rapidamente sua roupa. Ignorei seus protestos. “Calma!”, “Calma, gatinho”. Foda-se! Porra de gatinho! Fui com tudo. Dei tudo que tinha. Usei o que restava do meu instinto animal e a comi tal qual um bicho no cio.

- Já?

Envolvido no ímpeto de possuí-la, não me dei conta que não tinha dado nem dois minutos e que passava longe das seiscentas metidas prometidas que valeriam os trezentos reais. Desarmado, desabei na cama.
- Já?

            Essa palavra monossilábica torturante dava o tom do fiasco. Estava rendido.

            - Já?
           
           Ela perguntava, passando gradativamente da interrogação para exclamação.

            - Já!
            - Desculpe...

            Ela riu. Passou a mão na minha cabeça. Não pude evitar a consolação. Coloquei minha cabeça entre seus seios e falei com a voz abafada “desculpe!”, “desculpe!”. Ela disse que tudo bem, que isso acontecia - mas no fundo estava puta de raiva. 

Só me restava o último golpe de dignidade, embora tardio.

            - Vou devolver o seu dinheiro
            - Não precisa...
            - Não posso aceitar...
            - Fique...
            - Aceite, insisto...
            - Fique para você...
            - Mas...
            - Pegue um taxi...
           
Voltei de ônibus.
           

segunda-feira, novembro 21

canção de adeus


Quando te busquei não estava ali
Quando esperei...foi ai que eu vi
Que nessas horas ao te implorar
Era como se a brisa empurra- se o mar
E nessa busca por um adeus
E nesse beijo que se rompeu
Fui e voltei na imensidão
Era só mais uma poeta em solidão
E quando o sol se escureceu
E quando a noite então viveu
Pude te ver e te enxergar
Pois vi o céu na encosta do mar
São serenas em uma noite quente
São mil beijos como uma enchente
Que me afogam em um desatino
Que me afagam como um carinho
E quando te vi não estava mais lá
E quando te busquei nunca pude pensar
Que era só um beijo que tu vinhas pegar
E meu amor tu deixarias lá...

domingo, novembro 20

Aventuras na madrugada fria de São Paulo

 

Entrada do Estádio do Morumbi. Foto: Cris Lima.

Saí de casa, de casa não porque estava há milhares de quilômetros de casa, mas chamei casa porque estava morando ali, por um curto período, ás 15.00 rumo ao Estádio do Morumbi. Eu estava toda arrumada, vestindo uma leg, quem diria, eu usando leg, que usei no máximo nas sessões de fisioterapia, uma bata indiana, uma olha só! Uma bota! Sim, eu calçava uma bota, cano meio longo. Como diriam na minha terra: Toda estilosa! O cabelo impecável tinha feito uma escova aproximadamente quatro dias e já durava que era uma beleza. Pois desde que cheguei não havia derramado nenhuma gota de suor, nenhumazinha. Que maravilha! Por isso também, caprichei na maquiagem, leve é claro, não queria ficar com cara de drag queen. Levava comigo minha mochila, companheira de inúmeras aventuras.
Percorri alguns quilômetros pela aquela cidade fria, agitada, como, todos dizem: “cosmopolita”. Observando o comportamento de algumas pessoas na rua, nos ônibus, nas paradas, nos carros. Aquilo tudo era novo para mim. Mas, o Estádio do Morumbi, parecia não chegar nunca. A cada cinco minutos perguntava para o motorista, se já estava perto. Ele dizia pacientemente: Cinco minutos! Poxa, este cinco minutos duravam uma vida toda! Estava ansiosa para chegar e olha que faltavam 5 horas para o show do Pearl Jam começar.
Quando desci do ônibus, notei aquela multidão de jovens, usando blusas pretas com o nome: PEARL JAM, alguns bebiam, outros fumavam, aliás, como aquele povo fuma. Procurei meu lugar de entrada no estádio era o de número 6. Fui logo tirando da mochila minha máquina fotográfica. Tirei algumas fotos da entrada. Estava me sentindo uma fotografa profissional e acho que por isso, uma policial queria encrencar comigo. Ei! Ei! Venha cá, pode já apagar estas fotos, minha foto não, moça apague logo. Nossa me senti oprimida, pela atitude aquela policial. Eu não estava tirando foto dela. Ora bolas, tinha mais coisas interessantes para fotografar do que aquela policial, mas tudo bem. Fiz o que ela pediu, pediu não, ordenou. Encrencas finalizadas. Tratei de procurar o melhor ângulo para assistir ao show, as arquibancadas já estavam quase cheias. Sentei quase, timidamente, ao lado de um rapaz aparentemente com cara de metido, um tipo playboy. Pedi licença para sentar e perguntei se havia alguém lá ele disse que não. Puxei logo conversa, ele era bem bonitinho, louro, olhos verdes, cheiroso, e usava um ósculo  Ray Ban. Eita, maroquei tudo! Conversamos sobre inúmeras coisas, e o tempo parecia não passar ainda faltava muito para o show começar. Ele era carioca e logo percebi pelo sotaque e porque não possuía aquele ar frio dos paulistas, trancados em seus livros, em seus phones, em seus casacos. Era bem simpático. E eu que pensei que ele era metido. O carioca foi uma boa companhia, até demais. Ele era meio assim atirado, peguei algumas vezes ele admirando meus seios que vamos dizer assim: são fartinhos! Mas também ele não deixava escapar nenhuma “mina”. Olhava para todas.
Enfim, no meio de tanto falatório, foi anunciado à entrada do Pearl Jam. Nesta hora meu coração acelerou eu ia ver Ed de perto, ou melhor, não tão perto assim, mas já estava valendo. Quando eles entraram foi aquela loucura; não sabia se pulava, se tirava foto, se gritava, se chorava, se dava uns beijos no meu mais recente amigo carioca. Estava extasiada. Pelo meio do show comecei a chorar muito, não acreditava que eu estava ali. Uma maranhense, professora, filha de gente humilde, no meio aquele povo todo com cara de gente bem rica e bem metida. Lembrei de papai que diz: “gente rica agente conhece pela pele”. E por falar em pele, a minha estava toda detonada de tanto frio e poluição paulista. Aff! E eu que pensei que ia chegar em São Luís com a pele de pêssego, cheguei mesmo foi parecendo uma cobra toda despelando.
O show foi ótimo, maravilhoso, emocionante, sei lá mais que adjetivo usar. Mas tudo que é bom dura pouco. O espetáculo já ia findando e era hora de voltar. Meu mais novo amigo carioca. Digo amigo, porque em São Paulo é difícil se fazer amizade, as pessoas são muito na delas, sem aproximação, é como o clima frio, é diferente do Maranhão que, agente faz amizade que parece que conhecemos a pessoa há séculos, coisa de vidas passadas. Ele me convidou para sair devagarzinho do estádio. Estávamos meio indolentes, inebriados, como na saída de uma sessão de cinema. O frio parecia muito mais forte lá fora. Tirei mais que depressa meu casaco da mochila. Conversamos mais um pouco e foi a hora da despedida. Ele me laçou aquele abraço bem quente, um beijo na bochecha e foi ai que lembrei do clima lá de casa, do calor, do sorriso das pessoas. Tive vontade de chorar, mas não chorei. Trocamos e-mails e ele sumiu no meio da multidão. E eu voltei a realidade, tinha que achar um táxi para voltar para “casa”. Não havia nenhum, comecei a ficar desesperada. Eu ali sozinha como diz Zeca Baleiro: “ eu tava só sozinho mas sem graça do que top model magrela na passarela...”Andando no meio aquele povo todo em busca de um táxi no maior frio do mundo, completamente só, com minha mochila, com fome, com minhas botas meio cano longo. Andei no meio da multidão sozinha por pelos menos uns 30 minutos e o desespero batia em meu peito E nenhum taxi! Nenhum! Lembrei do meu carrinho estacionado lá no terraço de casa, poxa que falta senti dele. Lembrei de papai e mamãe, uma hora daquela já estavam dormindo tranquilos e sua única filha perdida na madrugada fria de São Paulo.

Av. Paulista. Foto de Cris Lima.

Caminhei por mais alguns minutos quando avisto um taxi descendo pelas ruas arborizadas do Morumbi, fiquei tão alegre que saltitei, como uma gazela nas savanas africanas. Me aproximei do taxista. Nossa! Como ele era lindo e cheiroso, seu perfume agente conseguia sentir há quilômetros. Logo eu pensei: Hum! Acho que devem está fazendo alguma filmagem de novela por aqui. Este cara tá mais para ator do que para taxista. Olhei para um lado e para o outro para ver se enxergava alguma câmera, mas não vi nada. De repente eu estava atrapalhando alguma cena da novela das oito, ou algum comercial. Não queria, só queria chegar logo no hotel e sair daquele frio todo, mas se bem que não seria mau eu passar na televisão inda mais ao lado aquele lindíssimo taxista. Hum! Gostei da ideia! Eu sempre quis ser atriz e aquela poderia ser minha oportunidade. Mas para meu azar ou sorte mesmo, ele era apenas um taxista bonitão e cheiroso que me salvou. Ele estava livre e perguntou para onde eu iria. Além de lindo, cheiroso era muito educado. Ai, me apaixonei! Será que ele era casado, noivo? Não vi aliança nenhuma, depois de minhas últimas desventuras amorosas, a primeira coisa que reparo num homem é suas mãos se tiver um bambolê, tô fora! Não tinha nada, mas ele deveria ter uma namorada, uma ficante ou um FGTS, (aprendi esta gíria em Sampa), não posso dizer o que significa por causa da censura, mas aviso que não tem nada haver com Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Fomos conversando o caminho todo, eu já estava pensando em nossos filhos, como seriam nossos filhos. Meu Deus! Minha imaginação é tão fértil! Ele me contou de uma namorada que ele teve, que era maranhense, fiquei toda animada. Pensei: ele gosta de nordestina. Aliás, temos fama lá no Sudeste. Quando contou este fato seu sorriso de malícia saltou dos lábios e que boca e que dentes! Ai! Ai! Falou que era formado em Direito, mas não exercia a profissão que ganhava mais como taxista do que como advogado. Contou que pretendia um dia conhecer o Maranhão. E eu pensei comigo mesma: seria ótimo! Eu poderia mostrar os lençóis maranhenses para ele. Ai meu deus, com ele era lindo, cheiroso e educado! O genro que mamãe pediu! Nesta hora minha imaginação já beirava, nós dois, velhinhos contemplando nossos netos e bisnetos como na música de Nando Reis.

Show do Pearl Jam. Foto de Cris Lima.
Ele foi bem gentil me mostrou a marginal Tietê e Pinheiros e me explicou o significado de marginal, mostrou a Rede Globo, o parque Ibirapuera e outros pontos de São Paulo e eu nem ligava se o taxímetro marcava já uma pequena fortuna que ia ter que pagar. Eu estava embriagada pelo perfume que vinha daquele taxista bonitão. Ele me chamava de moça: Moça chegamos! O quê? Não! Não me acorda, não! Moça chegamos no seu hotel! Ah tá! Poxa o sonho estava tão bom, mas como eu disse tudo que é bom, dura pouco e à vezes caro. A corrida me custou 150,00 reais e um coração partido. E nem o MSN, ele me deu.
 

quarta-feira, novembro 16

AINDA É TEMPO




Tarde da noite. Lá pelas duas horas da manhã. Já cansada. Com a luz do monitor massacrando os olhos.

Gisa espera que Clô dê um sinal de vida...

Só a conhecia pela internet. O site de relacionamento dizia que as duas eram amigas. Mas o contato era apenas superficial. Ela não poderia simplesmente ligar. Sabia seu endereço, mas não poderia bater em sua porta. Estava virtualmente limitada, esperando que Clô desse um sinal de vida on line e que, enfim, um suspiro binário de seu computador aparecesse na frente de seus olhos.

Clô entrou...

Gisa digita...

GISA – Olá...

Clô foi olhar primeiro a caixa de e-mails. Demorou a responder. Não estava tão ansiosa quanto Gisa. Foi para a internet como quem brecha a porta da rua apenas para ver o que está acontecendo. Para se sentir, uma vez vendo todos os seus contatos no lugar, que estava informada e que, portanto, fazia parte do mundo. 

Clô digita (graças a Deus!)... 

CLÔ – Olá!!
GISA – Esperei por você a noite toda...
CLÔ – Sem sono?
GISA – Pois é... Rs...

         O que se instaurou ali não foi o silêncio, e sim, uma ideia de silêncio. Ambas estavam em cômodos isolados de suas respectivas casas. De barulho, apenas alguns grilos que se perpetuavam noite afora e alguns carros perdidos na madrugada. O silêncio era a impressão que algo tinha que ser dito e não o foi. O silêncio era o incômodo da falta de palavras, do diálogo lacônico, do contato perdendo seu contraste... 

GISA– Como é que está aí, onde vc mora...
CLÔ – Mais ou menos e vc?
GISA – Meio mais ou menos também...
CLÔ – O q foi?
GISA – Descobri que meu tempo de vida está acabando...
CLÔ - Hã?
GISA – Vou morrer...
CLÔ – Mentira... Não brinque com isso...
GISA – Falo sério... Tenho pouco tempo... Por isso te esperei a noite toda... 

          Clô passa a mão no teclado. Não sabe o que dizer. Está perplexa. Espera inconscientemente que as palavras isquem seus dedos. Que uma frase saia pronta só pelo simples fato de ali conter todas as letras e as possibilidades de combinação. Exercício inútil. Não consegue digitar uma palavra. Tudo que escreve, apaga logo em seguida. 

GISA – Vc é casada?
CLÔ – (depois de um tempo) Viúva...
GISA – Que bom...

          Clô, obviamente, estranhou. Gisa era casada e não parecia ser do tipo que gosta de aventuras de caráter libidinoso. Já tinha visto as fotos dela com o marido. Felizes, ou pelo menos, aparentando felicidade para os amigos. Já matinha contato com Gisa há mais ou menos seis meses. Tinha se identificado com ela. Trocava receitas. Compartilhava seus problemas. Divulgava seus planos. Combinaram, inclusive, de se visitarem um dia, quem sabe. Não insistiram muito neste assunto. Ficou apenas uma idéia subtendida de que o dia as duas iria se encontrar. Esse dia chegou.

CLÔ – Não posso...
GISA – Mas por quê? Faz um esforço...
CLÔ – Tenho coisas para resolver...
GISA – Você disse que viria um dia...
CLÔ – Por estes tempos a situação está meio difícil...
GISA – Você não quer, é isso?
CLÔ – Claro que quero... Apenas não posso...
GISA – Te arranjo as passagens...
CLÔ – O problema é tempo...
GISA – Estou morrendo Gisa...
...
CLÔ – Não posso me casar com seu marido!
GISA – O que você tem a perder?
...
CLÔ – Pq você quer fazer isso?
GISA – Por que ele é teimoso feito uma mula. Tenho medo que ele morra. Talvez de tristeza. Talvez por esquecer-se de tomar o remédio para o coração. Ele não pode viver sozinho. Ele precisa de alguém sempre ao lado...
CLÔ – Eu não tenho mais idade, Gisa...
GISA – Quem não tem mais idade é quem está prestes a morrer... 

Clotilde não responde. Apenas olha a sala vazia. A tela do computador iluminando os móveis. As fotos ao lado do filho. Um retrato em preto e branco do marido fixado na parede. Bastava escrever ‘sim’. Precisava de um homem. Não queria morrer sozinha. Cada filho tomava seu rumo e ela, cada vez mais só, e mais rabugenta, se afogava em suas próprias rugas. Levantou-se por instante. Resolveu ir para o banheiro. Acendeu e luz. Olhou seu reflexo no espelho quadrado. Esboçou um sorriso. Olhou-se de perfil e ajeitou os cabelos. Ainda tinha um traço de vaidade. Ainda não tinha traçado completamente a fronteira entre a mulher e a velha. 

 CLÔ – Ok!

Adalgisa teve um acesso de tosse. O câncer dava seu aviso. O marido veio ao seu encontro. O soro estava pela metade e não precisava ser trocado. Ele passou as mãos nas costas de sua senhora. Aquele gesto, de alguma maneira, tinha o dom de aliviar a tosse. Fez menção de pô-la para deitar agarrando-lhe levemente os ombros, com a intenção de conduzi-la para cama. Ela,  recompondo-se, recusou gentilmente. Ela se levanta com dificuldade. Antes que o marido viesse ampará-la, levantou o braço como se dissesse “deixe estar, estou bem”. E com a mesma mão, apontou para cadeira. Ele se sentou. 

ADALGISA – Essa aqui é Clô... Uma amiga... Ela cuidará de você quando eu partir...
AGENOR – Não diga isso, Gisa... Você não vai a lugar algum...
ADALGISA – Você é tolo...
AGENOR – O que eu faço?
ADALGISA – Diga alguma coisa para ela...
AGENOR – Não falo disso...
ADALGISA – Digite algo, por favor...
AGENOR – Você está bem?
ADALGISA – “O”, “L”,acento agudo, “A”...
AGENOR – Eu não sei usar essas coisas...
ADALGISA – É só escrever como se fosse uma máquina de datilografar...
AGENOR – Digitei...
ADALGISA – Aperte ‘enter’.
...
AGENOR – (com lágrimas nos olhos que descem com dificuldade, se infiltrando pelos traços do rosto marcado pelo tempo) Eu te amo, Gisa...

Clô está digitando...

ADALGISA – Eu também... Mas faça apenas o que eu te peço...