terça-feira, agosto 30

O ÚLTIMO POST



Ele vinha a mais de cem por hora. O sinal fechou. Os pneus gritaram. O eixo quebrou. O carro ainda capotou cinco vezes antes de parar, completamente amassado como se fosse feito de papel... 

O motorista ainda estava vivo. Gravemente machucado. O pulmão perfurado. As pernas esmagadas, praticamente decepadas pelo impacto contra o poste.

Com dificuldade, procurou o celular. O encontrou perto do retrovisor. Atordoado, não sabia para quem ligar. Sem opção, conectou-se na internet. Abriu a página principal do seu navegador e digitou.


- Sofri um acidente...


Ele cuspiu dois dentes e depois tossiu sangue. Por sinal, achou que a publicação fora muito brusca. Demasiado súbita. A situação já era grave o suficiente. Espalhar preocupação não ajudaria em nada, portanto ele acrescentou:


- Rs


O riso digitado retiraria um pouco da carga dramática. Denotaria também seu bom humor em face de situações difíceis...

Mesmo com a clavícula quebrada, ele conseguiu levantar o braço. Tentou esboçar um sorriso. Tirou uma foto do rosto completamente desfigurado pelos estilhaços de vidro, em seguida publicou em seu perfil...

Enquanto ele sofria três paradas cardíacas, os amigos comentavam as publicações e os médicos tentavam reanimá-lo.

No dia do enterro, todos estavam extremamente abalados. O choque foi duro. Mas restava ainda um consolo:

 - Ele morreu, mas estará sempre on-line entre nós.


31/08/2011


segunda-feira, agosto 29

ABoRReCenTES


TRATO

Pedro e eu tínhamos um trato. Ele era péssimo em Geometria Analítica, Leis de Newton, Revolução industrial e Teorias sobre Evolução. Eu dava pesca pra ele e ele me arranjava à maconha. Me ensinou a bolar (outra palavra nova no meu dicionário) e tragar direito e me deu seu colírio “isso é pra pingar depois no olho e não deixá-los vermelhos” e um cd gravado do Bob Marley . “Saca esse som João. Tu vai viajar ainda mais.” – e ria com sua cara de bêbado.
Depois do jogo trágico. Cheguei em casa e me dirigi automaticamente ao meu quarto. Botei o Bob. Acendi o baseado e fiquei viajando se a vida era um caos completo ou se as estrelas tinha alguma lógica no universo.
Alguém batia no meu quarto. Apaguei o negócio e aspergir bastante perfume no ar e abaixei o som.
MEU PAI (gritando do outro lado da porta) - João há meia hora estou batendo nessa porta. Esse som tá muito alto. Não to conseguindo assistir meu filme. Que cheiro é esse, hein?
Acho que o cheiro ultrapassou as barreiras físicas de concreto do quarto. Abri a porta com os braços pra cima como um suspeito sendo atuado em flagrante por um policial me justificando logo:
EU (um pouco nervoso) - É lavanda de alfazema, eu to com chulé...
MEU PAI (mais nervoso) - Botava talco.
EU - Não tenho. O cheiro é a advindo da fusão entre chulé e alfazema.
MEU PAI (apontando para meus olhos) - Estão vermelhos.
(Me esqueci de botar o colírio) A acusação era visível.
EU  - Pequei conjuntivite.
MEU PAI - Mentira, João de Ribamar (quando estava com raiva usava meu nome e sobrenome) Eu conheço muito bem esse cheiro. Eu fumei maconha no Movimento Estudantil na Universidade e trabalho também com pacientes drogados. Você não me engana. Você esta usando maconha, João de Ribamar?
EU - Que isso pai? Sou o melhor aluno da turma... Por que eu ia fazer isso?
MEU PAI - Não sei. Você que deve saber.
Meu pai é gente boa (Tenho pra mim que ele se masturba mais do que eu) Mora só eu e ele. Ele é Enfermeiro e trabalha num hospício. Meus pais são separados. Minha mãe o deixou por outra mulher (é sério). Foi algo traumatizante pra ele. Me lembro que passou quase um ano sem se relacionar intimamente com outra mulher. E depois desse fato fatídico ficou viciado em filmes. Não sei ainda qual é a relação. Se é que existe. Traição e se tornar cinéfilo.
EU (Na maior cara de pau) - Papai, maconha é legal... Eu tenho altas idéias.
Papai nunca me bateu na vida, mas posso dizer que ele estava com muita raiva naquele momento. E sempre que está com raiva chuta alguma coisa. E chutou. A porta do meu quarto. 
MEU PAI (super zangado) - Olha isso é uma porta aberta pra outras drogas (e chutou mais uma vez a porta do meu quarto) Tem muitos pacientes no hospício que começaram assim e terminaram viciados em cocaína e outras drogas pesadas. Ficaram pinel da cabeça, entendeu? (Fazia gestos imitando um doido enquanto dava o sermão).
(EU) - Pai isso faz parte da vida de um adolescente... É uma fase de descobertas... Você mesmo dagora falou que já fumou.
(MEU PAI) - Na minha época não era assim. Fumei já na universidade e era cabeça feita.
(EU) - Cabeça feita...?
(MEU PAI) - Maduro... Eu tenho um amigo do tempo da faculdade que trabalha com adolescentes assim. Você vai conversar com ele.
(EU) - Ele fumou com você na universidade, no movimento estudantil?
(MEU PAI) - Não! Ele era muito cristão e não gostava de política.
(EU) - Se é para o bem da humanidade eu converso com ele.
(MEU PAI) - Bem pra você. E a o hospício já ta cheio de humanidade que começaram assim.

ABoRReCenTES


FINAL DO CAMPEONATO DE FUTEBOL ENTRE ESCOLAS

Eu e Pedro fumamos um baseado antes do jogo – pra entramos confiantes e tranquilo (Segundo as palavras de Pedro) Jogávamos em casa e precisávamos apenas de um empate.
Não sei se isso influenciou o primeiro gol que levei por baixo das pernas, e dois gols no canto direito, ainda pulei, mas cheguei atrasado, ou melhor, lento. O canto direito sempre foi meu ponto fraco e o pé de esquerdo de Pedro? Estava péssimo, torto. Mas não o de Garrincha. Deu só quatro chutes pro gol. Um pra arquibancada, um no teto da quadra, um nas mangueiras e outro... Que acertou a trave.  Ainda foi expulso o miserável, chegou atrasado numa dividida e quase quebrou a perna do pivô adversário que avançava pelo meio. Acho que estávamos meio doidões nesse jogo. Essa é a verdade. Pior do nosso técnico que arrancou os poucos cabelos que lhe restavam.
O importante é competir – ironizou Pedro – Temos a medalha de prata. (Louco)
Pensei que o técnico ia dar um murro nele. (Eu dava)

sábado, agosto 27

1º ENCONTRO DO . CONTINUANDO

Gente, vamos nos confraternizar, vamos sair do mundo virtual, vamos trocar ideias, loucuras, escritos e vamos fazer um terapia grupal. Coisa séria tá! O encontro vai rolar no dia 10 de setembro de 2011, não poderá ser em 11 de setembro de 2011 pra n concorrer com os 10 anos do Word Trade  Center..srrsrs brincadeiras a parte. Vai rolar dia 10/09/2011 no bar chamado Inculcar na estrada da Maioba em frente ao posto Ale e perto da parada final do Chotrac 5 e tamb ao Motel Êxtase..srsrsr no final da tarde ás 17.00. Esperamos todos lá blogueiros e fãs. Mais informações comigo Cris promoter do blog srsrsr(brincadeira) e Diego Pirex cartunista crazy rssr. Os tels são: 88667789 82367238 e 81684425. Não vale passar trote. Obrigada! Cris Lima

ABoRReCenTES

JOÃO E PEDRO FUMAM MACONHA
O primeiro cigarro de maconha foi aos 16 anos de idade. Detalhe, eu ainda tenho 16 anos de idade. Quem me ofereceu foi um amigo que joga futsal comigo. Pedro. Ele é ala esquerda e eu goleiro. Foi na hora do recreio. Ele disse se eu tava a fim de curtir uma “viagem”.
Vindo de Pedro sabia que não ia discutir sobre a via láctea.
Fumamos atrás da quadra de esportes, onde a paisagem de imensas amendoeiras, mangueiras e outras árvores favoreciam aquela minha primeira pratica ilícita (não vou mencionar os bombons de chocolate enfiados dentro cueca no supermercado nas Americanas). Nos entocamos por trás de um tronco de árvore. Ele tirou um papel enrolado de loteria com o bagulho. Palavra nova no meu dicionário.
PEDRO (empolgado) - Esse é do bom nerd. Sem química. Natural.
Arrancou um pedaço de papel do seu caderno (agora descobri pra que servia seu caderno) onde ainda pude ver que tinha uma equação do segundo grau em lápis [Responderia com facilidade aquela equação]. Segurei o papel e ele pôs uns matinhos verdes e cheirosos. Desviou bem e depois enrolou como um cigarro e usando a saliva da língua pra colar.
Não sei por que, mas as árvores pareciam se mexer e as cores estavam mais nítidas, fortes... O sinal tocou e nos despertou e fomos lentamente pra aula de história rindo de uma piada besta que ele contou:
- Você sabe a piada do pinto que não tinha bunda? Foi peidar e explodiu.
Engatei a palavra nos pensamentos “explodiu” e racionei:
- Se a teoria de evolução de Darwin é uma evidência incontestável e o big bang – a grande explosão é uma hipótese plausível. Essas teorias refutam definitivamente a criação do cristianismo de Deus. Essa História de Adão e Eva é puro conto de fadas Pedro.
PEDRO (chilado) - Essa maconha te deixou mesmo viajante.
Pedro era mesmo um maconheiro sem cérebro. Ainda bem que sabia chutar bem com a perna esquerda. Sua ganhota era certeira.

ABoRReCenTES

DORALICE ESTÁ COM DEPRESSÃO
(MÃE) – (preocupada) - Doralice o que esta acontecendo com você?  Passa horas nesse quarto, carrancuda, sem sair - a mais de mês você esta... Estranha – ouvindo essas músicas estranhas, sem se alimentar direito, você vai ficar fraca, anêmica... Olha, olha?! Você está pálida...  Suas notas na escola não estão muitas boas, com exceção de literatura e português.
Mamãe ainda analisa meu boletim escolar. Que coisa anacrônica pra minha idade.
Não respondia nada (A músicas estranha que ela se refere é rock progressivo). Tinha apenas uma vontade incontrolável de chorar. E chorava no quarto trancado quando ela sai. É raro ela se retirar de casa, quando faz isso, é pra ir pra feira ou fazer algum pagamento e tem a missa de domingo e almoços esporádicos na casa da sua sogra. Não passa mais nesses programas mais de 4 horas, ou seja, ela passa de 20 a 24 horas em casa, ou seja, a maior parte do tempo. Dona de casa exemplar e perfeccionista. Obsessiva. Gosta de tudo brilhando, arrumado e cheiroso, isso tudo no superlativo. Quanto ao meu pai. Não sei muito sobre ele. Sei que é um advogado criminalista e como afirmava “advogar para ladrões, estelionatários, traficantes dava bastante lucro, apesar de ser na metade, uns 50%, são causas perdidas” Sinceramente penso mesmo que meu pai é um cara sem escrúpulos. Mas como ele sempre justificava: “Alguém tem que defender esses caras, ainda por cima são eles que pagam nossas contas, nosso almoço, sua escola minha filha”.  E apontava para mim com o gafo na mão e um sorrisinho malandro com um fiapo de carne entre os dentes. Pobre do bode expiatório aqui. Apesar da cara feia de minha mãe católica - no fundo daquela expressão malograda eu tenho absoluta certeza que ela consente com as afirmações canalhas do seu marido.
 Ultimamente ele chegava mais tarde em casa.
(PAI) - (ansioso) - A violência aumentou muito na cidade, são os efeitos do progresso urbano, e proporcionalmente os nossos lucros. – Meu pai sempre tinha uma defesa com boas estatísticas. E terminou a frase dizendo que ia trocar de carro por um mais moderno. E ia comprar o baixo que tanto pedi. Aí e eu sorri. Poderia defender agora até homicidas. Brincadeirinha.
Então um dia minha mãe abriu sem bater a porta meu quarto. E lá estava uma adolescente em lágrimas escutando The Cure.
Sentou ao meu lado. Pegou minha mão e disse que ultimamente tinha visto um programa de TV onde entrevistaram um psicólogo famoso. Ele dizia que a adolescência era uma fase conturbada de intermediação para a vida adulta. Essa fase gerava muitos conflitos na cabecinha dos adolescentes. E era comum alguns terem quadro de tristeza e acabar fazendo besteiras. Ela queria dizer mesmo era depressão com tristeza e suicídio com fazer besteira. Mamãe é cheia de eufemismos. E terminou a explanação dizendo:
Mãe (doce)- Doralice, marquei uma consulta com um ótimo psicólogo que minha amiga me indicou. Quero dizer em primeira mão que você não é louca, mas como disse o cara da TV é preciso, às vezes, um acompanhamento de um terapeuta. Você pode ir? Já marquei a consulta. Tá bom minha gatinha?
Odiava quando mamãe me chamava no diminutivo. Sei que era carinhoso. Mas não sou mais uma criança. Sou apenas uma metamorfose ambulante cheia de conflitos.
Dei apenas um sinal afirmativo com a cabeça. Pedi pra ela sai e aumentei mais o volume de Boys Don`t cry.


sexta-feira, agosto 26

Aborrecentes

Nesta sexta feira dia 26 de agosto a tarde no bairro do Cohatrac na casa dos pais da poeta Cris ( aproveitando a saída de seus pais) ocorreu o lançamento do ABORRECENTES que Diego Pires classificou como :” uma mistura do seu tempo escolar problemático, literatura infanto juvenil e filmes de comédias românticas”.  Com direito a litros de Coca-Cola e salgados do supermercado Matheus.
Vale acrescentar a presença do poeta Natan que falou em fluxo de consciência sobre a importância do movimento beatnick drogas sexo cinema casa de apoio pra idosos e uma viagem não sei pra onde - Kurt Cobain.  Outro presente era Talita leitora assídua do blog e da sexologia oriental e amante dos orgasmos quíntuplos. Mais tarde chegou Rogério Sarnento, amigo de infância de Diego que mostrou sua nova tatoo no braço. E também o jornalista musical Alberto Jr que explicou a reinvenção contemporânea de Caetano Veloso e Lícia Nogueira (conhecida como Amelie Polain) que chegou praticamente no fim dos comes e bebes, após pegar o ônibus errado e parar no cohajap em vez do cohatrac.  E esbravejou: “a saúde está um caos, digo o transito, o erro do mundo, desculpa gente, só besteira. Relaxa aí“
Diego perguntado sobre o sucesso da novela-teatro de Igor N. respondeu estranhamente em inglês britânico: “Wonderfull” e depois questionado sobre suas geniais ilustrações que dizem os críticos especializados está tirando o protagonismo da novela de Igor N., exclamou: “ Isso são só boatos mentirosos  que são dignos de ser investigados pelo detetive Will”. Igor N. surpreendente com seu eterno chapéu (especula-se que seja pra esconder sua calvície precoce, ou uma influencia estética de Nauro Machado ou é só viadagem mesmo) chegou e disse que está meio bêbado e ansioso em ler a doidera de Diego. “A nova promessa da literatura ludovicense! Se é que existiu algum dia literatura ludovicense”.
Cris num ímpeto declamou três poemas fatais dramaticamente que cortou três fios de eletricidade na rua dando um breve blecaute no bairro. Logo que voltou a luz havia vários sorrisinhos e olhares malandros e alguns procurando suas carteiras e celulares e três pessoas haviam sumido. Posso falar? Disseram que não.
Diego questionado sobre o uso de drogas respondeu slogamente: “ O mundo é um merla. Você já acorda dopado. Pra  que usar? Seja um craque na vida!” Todos ficaram em silencio na sala. “Só pra distrair galera. É uma piada.”
O fim do lançamento terminou com a chegada dos pais de Cris. Estavam cansados e a fim de dormir. Expulsaram todos da casa. “Seus aborrecentes.” Resmungaram. O destino da garotada? Nem deus sabe.
Remilton Vargas.
furosdailharebelde.blogspot.com

Da Lagoa a Ponta Dareia.


Tudo é abandono e ventania
Aqui olhando a Lagoa com sua Serpente
Sorrindo para a discrepância da Ilha em 2011
Amedrontando os turistas como seu sorriso de plástico

A manhã que desatou no horizonte
Navios de cristal nessa manhã instantânea
meus olhos confirmando a brisa
meus sentidos buscando a musa
Lá dentro da cidade as vidas se esbarrando
Aqui tudo é abandono e ventania
E essa vontade enorme de sentar na beira do mar.

quinta-feira, agosto 25

mantenha calma

Posso afirmar por experiência
Consequência da minha vivência
Comigo mesmo
Que de certo me agrada
Tudo aquilo que for sutil
Mesmo que for por ingenuidade
Não que precise
Ser desprovido de maldade
Só digo por dizer, que o explícito
Não me agrada, por razões eloquentes
Nem de ver, Nem exarceber
 
Fato é que, é enfadonho
O efusivo, que por si só
É desnecessário e dá um nó
Na consciência daquele
Que por sensatez, dele não faz uso
Talvez por consciência
Da perda brutal de naturalidade
E de essência, por fatalidade
 
Sinto me bem, portanto
Por e em tudo aquilo
Que se segue e se desenvolve
Ausente de displicência
Que surge com volúvel iminência
Como um afago sincero
Ou qualquer palavra dita com esmero
Abranda e traz conforto
Com sutilidade, adorável sutilidade

quarta-feira, agosto 24

MORANGOS NUM DEPÓSITO SUADO




Em cinco minutos havia comido toda a comida, que mamãe preparou. Estava fria, o suor do depósito escorria, igual ao o meu, em dias muito quente. Observei as coisas ao redor, os recados no quadro de recados, os livros espalhados nas estantes de ferro e pela janela vi as crianças semi-nuas que brincavam sem noção do mundo lá fora. Desejei roubar, sorrateiramente, suas inocências, suas fantasias e seus sonhos modestos.

Morangos no depósito plástico. Foto de Cris Lima.

Ouvi vozes por toda a parte, vozes que eram conhecidas, vozes que queria esquecer por um segundo, minuto, horas, semanas, meses, não sei anos....talvez. Queria mandar todas aquelas vozes irem embora. Tive raiva, muita raiva daquelas vozes. Por que não procuravam ir para suas casas? Por que não procuravam descansar ou simplesmente ficarem caladas, como eu? Como eu estava inerte, parada, flanando no sofá laranja, com o meu cordão de pérolas pretas?
Estava só, sozinha nesta hora do dia em que eu podia ser eu mesma. Quando estamos completamente só é quando somos verdadeiramente, nós. Despidos diante de um espelho cuja imagem somos nós mesmos, mais ninguém. Não precisamos representar, não precisamos sorrir e nem fazer a sala para ninguém estamos só. Não precisamos ser atores.
Encontrava-me sozinha no meu palco sob a luz de meus olhos, sentindo o barulho do mar e o dançar das árvores valsando ao som do vento quente de Agosto. Observei mais uma vez as crianças, agora era apenas uma e ela estava, completamente nua segurando um saco plástico. Ela corria e corria pelo quintal , sem preocupação, sem pudores, só ela. Eu quis tanto e tanto ser aquela criança e comer o peixe , que a mãe preparava no fogareiro. Peixe quentinho e simples! Lembrei da mesa lá de casa do sorriso escandaloso de mamãe e da cara rabugenta de papai e  quis fugir, mas não pude. Então, lembrei dos morangos baratos no depósito suado que mamãe havia colocado.

Hoje acordei um bicho estranho



Não é só má tradução do que me senti. É serio. Acordei com dezenas de patas pequenas apoiando um tronco imenso. Tentava me mexer, saca?! Me desequilibrei e cair da cama pro o chão. De cabeça para baixo. E vi o teto. A lâmpada fluorescente pra economizar luz e vi as arestas com teias de aranhas. Preciso de uma vassoura pra tirar... do teto. Doidera, mas é a primeira vez que observo esse teto.
Bateram a porta varias vezes:
- Aconteceu alguma coisa?!
Deve ser minha irmã. Mora eu e ela e seu filho que deve esta pra escola. Tento responder. E minha voz não tem palavra. Só um zumbido estranho. Estou ficando preocupado. Me balanço pra esquerda e pra direita pra ver se minhas milhares de patas saem de cima dos meus olhos. Agora que percebi; o mundo não está mais colorido.  Preto e lilás e fosco. Talvez seja a falta dos óculos contra a míope e o astigmatismo.
- Aconteceu alguma coisa?!  
Minha irmã continua batendo na porta. E como disse minha voz não tem palavras. Só um zumbido estranho. Zzzzzz... Algo assim. Mas o engraçado é que penso normalmente. Talvez seja um sonho, ou melhor, um pesadelo. Virar um bicho estranho depois de acordar é coisa de escritor pós-guerra, loucos, usuários de crack ou de filme de terror. Sei lá. Isso não é comigo.
- Aconteceu alguma coisa?!
Já já te respondo minha irmã. Me balanço cada vez mais pra direita e pra esquerda e consigo me virar. Ufa! Doe as costas.  Vou caminhar até a porta para abri-la e desfazer todo esse mal entendido. Explicá-la que acordei e to cheio de patas e não vejo as cores como antes e que é tudo um pesadelo. Nada mais. . Preciso dos meus óculos. Sei que eles estão naquela escrivaninha ali na frente ao lado cinzeiro. Poxa! Preciso de um cigarro. To ficando nervoso. E um analgésico pra essas dores nas costas.
Continuam batendo na porta. Cada vez mais forte. Deve ter outra pessoa. Por favor! Não quebrem a porta. É madeira compensada. Não é resistente. Nunca tive nada de madeira de lei. Nunca tive grana suficiente pra comprar uma coisa... De mogno. Mas não batem desse jeito. Vão quebrar a porra da porta!  Custou dinheiro. Tive que dar duro e olha esses calos nas mãos. Foi serviço pesado. Mas que calo na mão? Tenho patas. Isso. Nas patas. Calos nas patas. Peraí?! Vou abrir. É difícil controlar todas essas patas. Mas difícil que convencer meu sobrinho parar de jogar vídeo game. Uns minutos e chego aí na porta. Não batem assim. Vão quebrá-la. Só mais um minutinhos. Tenha Calma e tudo vai da certo..
Droga! Tava escrito na testa que iam derrubar a porta. Eu disse que não era pra baterem forte! É madeira compensada. Hã? Meu vizinho o que faz aqui?! E esse machado na sua mão e essa cara de raiva. Desgraçado! Foi você que destruiu a porta. Por que você está vindo na minha frente com esse machado? Peraí?! Isso aqui um pesadelo e eu te conheço, cara! A gente joga dama apostado quase todos os dias. E você que me deve. Eu devia esta com raiva. Perdeu aquele ultimo jogo. Somos amigos. Que isso?! Não seja agressivo comigo. E esse machado é meu. Fui eu que te emprestei pra você da um jeito naquele canil pro seu cachorro. Um Pit Bull, né? Cachorro brabo.  Não me acerte esse machado. Minha irmã?! Por que essa cara de nojo. Sempre te tratei bem. E cade seu filho. Ta pra escola, né? Minha irmã diga pra ele que é um mal entendido. Nada demais.  Não sou um bicho estranho. Pra ele parar de me acertar esse machado. Dói pra caramba. É só um pesadelo. Eu acho. Pegue meus óculos. Ele vai me matar.

terça-feira, agosto 23

RUPTURA

Estou pensando em me libertar de todas as amarras e conveniências e de gozar de leve a vida, sugar o que de melhor ela tem, beijar de leve a saudade, e sonhar sorrindo com a neve em meu rosto. Em atravessar a avenida nua, despida em verdades e ter coragem de gritar, o grito mais louco. Aquele grito que minha alma urge e meus ossos cantam.
Estou pensando m viver, viver só, viver com todo mundo e de carregar o mundo nas costas, como no poema de Drummond. Estou a fim de tomar café mesmo que isso me cause uma puta dor na cabeça. E de manso escrever besteiras num papel reciclado da "Chamex". Em fazer amor por horas, com um desconhecido que conheci numa noite quente de São Luís que contrastava com o frio louco da capital insana de São Paulo. Estou pensando neste desconhecido nós dois sozinhos nos completamos sem teatros.  E ,na cara dos nossos filhos, no almoço de domingo e na briga no final do dia.
 E agora, só penso em acordar, rasgar o vestido que me veste jogar minhas sandálias fora e ser feliz só com o que meu corpo possui: prazer e solidão.

segunda-feira, agosto 22

O Sítio Piranhenga: a história que os maranhenses desconhecem

O Maranhão é riquíssimo em belezas naturais; com belas praias, dunas, rios, riachos, cachoeiras e uma diversidade que a natureza proporciona.
E belos casarões históricos seculares que atrai pessoas no mundo inteiro, sendo Patrimônio Cultural da Humanidade, mas infelizmente, tudo isso não é devidamente preservado pelo poder público e pela população local.
O nosso estado é rico também em História, que também é esquecida praticamente por todos os segmentos da sociedade, inclusive pelo Estado.
Em São Luís, há um lugar que conta um pouco da história na cidade e no Estado, que fica próximo ao centro e de fácil acesso, mas ao mesmo tempo é local inóspito por uma imensa mata que fica a beira do rio Bacanga localizada no Parque Pindorama, que poucos se atrevem a ir devido ser o bairro de periferia com o alto índice de violência, devido as mazelas sociais.
Nesse lugar está localizado o Sítio Piranhenga, que foi fundado pelo 1º morador José Clarindo de Souza, o grande senhor de escravos,  vindo de Portugal ao Maranhão no início do séc. XIX, mais precisamente em 1802, e nesse mesmo sítio foi instalado pelo fundador a fábrica de cal a base do sarnambi feito por escravos. Este material fabricado foi usado na construção de vários casarões que hoje são tombados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
Essa matéria-prima era levada em embarcações até o Cais da Sagração, que fica a Praia Grande, pois a estrada praticamente não existia e também era o meio mais rápido de transporte, pelo fato do sítio ficar a beira do rio Bacanga, que facilitava o comércio.
Mas com a morte do José Clarindo de Souza em 2 de julho de 1863, o sítio foi herdado pelo neto Luís Eduardo Pires, que passou a exportar o cal a base do sarnambi para Belém (PA) e Manaus (AM) em troca de madeiras na região, que eram vendidas na cidade de São Luís para as famílias mais ricas e tradicionais da Província.
O fato bem interessante do Luís Eduardo, que o mesmo aceitava as manifestações culturais popular, como tambor de mina e outros, num período que era fortemente reprimido pela polícia e a classe elitista na cidade, e essas manifestações eram feitos por via ofício em cartórios. Porque mesmo com toda a repressão da polícia, alguns integrantes da elite eram adeptos ou simpatizantes das festas populares e até mesmo de rituais religiosos, como o candomblé, que é reiterado por muitos intelectuais nas grandes universidades brasileiras, como o Sérgio Ferretti, Mundicarmo Ferretti, Ronaldo Vainfas, Hermano Vianna e outros.
Com a morte do Luís Eduardo em 1939, a casa ficou alguns anos abandonado até com a chegada da romena D. Virginia que é artista plástica e arquiteta casada com o francês Dr. Jean em 1944, a mesma fez toda a restauração do sítio, mantendo a originalidade e ao mesmo fazendo algumas inovações que resultaram numa bela combinação artística e arquitetônica.
Anos mais tarde, ela vende o sítio para o padre francês Jean Mary Maurici Lecorn batizado de João de Fátima Maranhão do Brasil, que fazia ações sociais na região do bairro de Fátima de retirar as crianças nas ruas e colocá-las a estudar e promover cursos profissionalizantes, sendo o fundador do CEPROMAR (Curso Educacional Profissionalizante do Maranhão), uma ONG (Organização Não-Governamental) que atualmente administra o sítio sem nenhum auxílio do Governo Municipal, Estadual e Federal, exceto do Governo da França para bancar a despesa da água, luz e telefone, o restante vem de doações e parcerias com outras instituições e entidades.
O sítio relembra bem o período do Brasil monárquico-escravista, com a casa grande e senzala, revestido de azulejos, com forte que contém uma escada de 97 degraus que vai a beira do rio até casa em formato de serpente enrolada e uma capela que há o mausoléu com os restos mortais do fundador do sítio, seu neto, bisneta do fundador e da D. Virgínia com as suas cinzas armazenadas numa caixa, que a mesma deixou uma carta antes de morrer pedindo para ser cremada e ficar alojada na capela.
Nesse período, era comum as famílias tradicionais serem enterradas em igrejas ou capelas nos seus próprios sítios ou fazendas, porque cemitérios praticamente não existiam, uma tradição que ainda existe em muitas cidades brasileiras que foram fundadas no período colonial e monárquico, que muitas famílias preferem manter essas tradições, no Maranhão e em especial São Luís e Alcântara não são diferentes.
Isto é respaldado por Gilberto Freyre na sua obra Casa Grande & Senzala (1933) que retrata a vida sócio-cultural nesse ambiente que viviam os escravos e senhores, que foi um dos resultantes no processo de miscigenação no nosso país na questão étnico-racial, religioso e cultural que hoje faz parte do nosso cotidiano.
O Sítio Piranhenga segue nesse contexto contado na obra, um pedaço da nossa história do Brasil e do Maranhão que a população ainda desconhece, que infelizmente não é devidamente valorizado pelo poder público, que faz parte da história de todos os maranhenses.

domingo, agosto 21

A BELA FIGURA DA MOÇA

Avenida Beira Mar em três momentos. Foto de Cris Lima


A bela figura da moça no ônibus era triste
Olhar petrificado,
O nada como observação

A bela figura da moça no ônibus
No meio da madrugada era venal
Na dor que escorria das retinas,
Na postura da Madona em fim de exposição

A bela figura da moça no ônibus
Era virginal,
Era louca,
Era serena,
Era mortal.

A bela figura da moça no ônibus
Só morria...
Na paisagem da cidade adormecida






sábado, agosto 20

Fome e solidão.

Para Allen Ginsberg

Eu já acordei com o calor na cara dos primeiros raios de sol de uma sexta-feira deitado num banco da integração da praia grande
Eu era apenas um garoto do subúrbio de São Luis quando ouvi Smell Like Teen the Spirit e Territorial Pissings umas duzentas vezes numa tarde do inicio dos anos noventa e resolvi naquela tarde não ser mais o mesmo garoto inseguro de um dos bairros mais tristes do mundo segundo meu velho amigo das antigas Paulo Rolim
Eu lembro de ter visto Mauricio Soares na pelada do Luis Rocha há uns dezessete anos atrás e nunca ter imaginado que junto com ele e outros sonharíamos com o ideal Raulseixista de achar que podíamos mudar alguma coisa nesse mundo
Foi no final dos anos noventa quando como de um impulso resolvi transar com minha namorada embaixo da ponte do São Francisco e achar que aquela gozada iria ser a mais diferente de todas
Acho que na segunda vez que fui a Papirus do Egito atrás de algum disco dos anos sessenta que vi Paulo Dias pela primeira vez na sessão de álbuns dos Beatles ainda lembro que ele deixava o cabelo crescer e depois nas tardes da cidade fantasma do paço iniciamos as inéditas canções simbolistas que um dia todos irão conhecer
Um dia eu troquei a tristeza do meu quarto por um banco na antiga praça defronte ao Bar Muralha do Projeto Reviver e ali naquele banco entre beijos e abraços resolvi ter um filho e mudar minha vida totalmente para melhor
Que diria meu Pai que era freqüentador do dominó apostado que rolava dentro da feirinha do Reviver sabendo que naquela época eu apenas a rodeava por achar aquele local muito pesado e hoje quando ando por lá chego a sentir sua presença
Quantas vezes fui da Deodoro ao Reviver descendo pela Rua do Sol e de olhos fechados pedia a inspiração dos mais importantes versos de minha geração


Foi durante uma das diversas crises de gastrite que senti vontade de cagar e tive que pegar a esquerda pela transversal que ia dá na São Pantaleão porque somente lá havia um banheiro com aquele aroma cortante de produto de limpeza e aproveitei pra escrever um poema que depois desceu junto a merda de uma crise gástrica
Quantas vezes tive que desistir do copo de refrigerante do cachorro quente de hum real da Praça da Alegria por culpa das maiores vespas do mundo que davam rasantes em meu copo e nem sequer um outro copo de brinde eu ganhava
Quantas vezes me apaixonei pelas universitárias da Uema quando eu devia ter uns 12 anos e achar ultra-poético os livros sobre diversos assuntos que elas apertavam sobre seus seios inertes
Foi numa tarde em meados dos anos 2000 que interei com Alerrandro Lanuci a compra de uma vodca maldita e por conta da bendita atravessamos a noite no lendário Bar de Leny na velha Cohab tocando MPB e Rock anos oitenta junto com um exímio violonista e lá pras tantas da madrugada apareceu um artista decadente freqüentador de bares decadentes cantando Lobão com apenas duas notas musicais
Caramba foi o que eu disse quando estive pela primeira vez em cima da escadaria ao lado do teatro João do Vale na segunda metade do ano de 1997 e fiquei imaginando no horizonte a chegada dos franceses com as belas embarcações
Foi numa das poucas vezes que senti vontade de chorar de emoção quando numa manhã de inverno embaixo de um orelhão da praça do reviver pude ver um sol tenro brilhando nas pequenas gotículas de chuva que caiam bem na minha frente de forma inclinada defronte ao Bar Antigamente
Eu assisti o último show da banda Sarcoma no bar mais Underground do mundo numa rua escura do São Chico chamado Bar do Bento e fui embora sem um tostão no bolso ao lado de Bruno Azevedo e outros metaleiros e punks discutindo música numa Van salvadora da madrugada
Eu vi as melhores cabeças da minha geração largando o ideal de mudar o mundo através de uma banda ou através de uma história genial publicada em um livro ou qualquer coisa parecida indo para as filas de banco de emprego porque nossos filhos e nossas mulheres chegaram a chorar de fome e solidão por conta do tempo que sempre nos exige algo mais.

10 de Novembro de 2009.

quinta-feira, agosto 18

Paulinha quer fuder


O olhar ingênuo e o corpo franzino e a pele com espinhas revelavam sua imaturidade, mas não sua libido. Tocava-se todos os dias quando ia dormir ou no chuveiro escutando rock roll, mas nunca achou satisfatório. Viu varias cenas de sexo subtendidas nas novelas e filmes da televisão antes da meia noite quando ia dormir pra ir cedo pra escola. Mas nada de fato. Apesar de que um dia chegou cedo da escola e abriu a porta do quarto de seus pais e viu um em cima do outro gemendo.
- Isso é sexo?!  - Duvidou. E fechou a porta.
...
Matou aula com as amigas também virgens e foram para a suíte de um motel e ficaram comendo chocolate, sanduiches e bebendo os refrigerantes do frigobar, enquanto olhavam closes de xoxotas e paus na TV de plasma deitadas numa cama oval. Algumas riam. Outras achavam nojento. Paula mordia os lábios até que sangrou. Estava decidida em romper seu hímen.
...
- É só uma festa de aniversário seu Carlos e dona Mariana – Mentiram suas primas.
Era uma Rave. Passou dez horas dançando Trance. Não sabe mesmo como conseguiu. Desconfiou que aquela pílula rosa com um sorriso que uma prima lhe ofereceu junto com um pirulito no meio do transe eletrônico influenciou bastante. Conheceu um cara.
- Oi
- Oi.
- Legal a festa.
- Legal.
- Vamos ali?
Era definitivamente ele. Corpo musculoso e óculos Rayban. Lembrava seu ídolo cinematográfico Brad Pitt. Suas primas a incentivaram bastante. - Vai lá! E Brad Pitt lhe guiou calado e cheio de mistério pra seu carro importado e abriu a porta chaves.
-?
- É cocaína.
-!
Enrolou uma nota de dez reais e aspirou cinco carreiras seguidas do pó. Paula nunca havia visto aquilo; Um ataque convulsivo com baba descendo pelo queixo do seu Brad Pitt. Lembra-se que a festa acabou e uma ambulância chegou. Ainda teve que prestar depoimento na delegacia. Informaram depois que foi overdose. Foi logo liberada e por sorte seus pais não souberam de nada.
...
Passou dias e dias deprimida. Isolada no seu quarto. Ouvindo no seu headphone Bebel Gilberto e Sonic Youth. Só saia pra escola. Até que recebeu uma ligação surpreendente. Era Julinha uma amiga de infância que há tempos não via. Estava numa onda hippie e lhe convidou pra ver as ondas do mar, a lua, contar as estrelas e perguntou qual era seu signo e que ia gravar uma coletânea de Reggae pra ela.
- Poxa! Saiba que isso foi um telefonema astral e não por acaso. Houve uma conspiração da natureza. Você vai sair da deprê. Tenho certeza
- Meu signo é Virgem.  Respondeu antes de ela desligar. Literalmente. Refletiu.
...
Foi à praia com a galera alternativa. Seria ali entre a areia e a luz do luar. - Que romântico! Pensou.  Julinha lhe deu as boas vindas queimando um incenso de erva doce pra atrair energias positivas e apresentou um amigo de cabelos rastafáris. Ele falava sobre astrologia, Civilização Maia, Mestre Irineu e o Universo. A galera ria e pulava no mar e gritavam: - Aí é O filho de Bob. Ele fumou várias bombas prensadas da pernambucana que tamanha foi larica que comeu praticamente todo o sanduíche de frango e latas de Coca-Cola que Paula trouxe e depois caiu na areia explicando um bando de coisas que ela se esforçava pra entender.
- Porra! Eu só quero fuder. Não importa seu cabelo fedido ou quem é Mestre Irineu! - O filho de Bob arrotou e dormiu.
No outro dia com muita raiva e sem a menor paciência arrumou suas roupas e foi embora sem se despedir do Filho de Bob que ainda dormia e de Julinha que fazia Ioga na beira da praia.
...
Desistiu das primas e de Julinha, mas não das masturbações. Ainda queria transar apesar dos insucessos e voltou a escutar suas músicas, isolada no quarto ainda mais deprê. Um dia voltando da escola foi apresentada a um primo desconhecido da baixada maranhense de acento cantado e jeito manso que ia passar uns dias na sua casa. Iria seguir a carreira de seminarista. Sua mãe e seu pai receberam lhe com o maior respeito e carinho e Paula com desdém.
- E quem sabe ainda faz o casamento da minha filha! - Exclamou o pai orgulhoso lhe abraçando.
- Deus te ouça! Olha? Eu trouxe uma boa farinha d’água seu Carlos. E eu mesmo ajudei a fazer. E Curimatá também dona Mariana. Eu mesmo pesquei.
- Que bonito! Rapaz esperto. – Disse Dona Mariana também orgulhosa.  
- Ó... – Ironizava Paula.
Ofereceram o quarto dela pra ele dormir, pois só viam bondade nos olhos singelos do futuro padre. Foi o cúmulo. Paula teve uma histeria por causa daquela invasão de privacidade, mas acabou cedendo depois de muita insistência e a promessa de pagarem o passaporte e o avião ao show do Pearl Jean no Morumbi.
- Era só uma semana. – Repetiu pra si.
...
Foram dormir e o futuro padre não conseguia cair no sono. Desabafou que não queria ser padre, pois não entrava na sua cabeça o Celibato.
- O que é Celibato? - Questionou no escuro, curiosa.
- É abstinência sexual - Respondeu encabulado.
- Abstinência? - Paula estava mais curiosa.
- Não fazer aquilo que nossos pais fazem no quarto à noite para gerar bebês - Respondeu cheio de rodeios.
- Hum.
Paula estava se interessando por aquele rapaz manso. Seria ele. Pulou na sua rede e ele correspondeu com grande experiência. Era melhor que qualquer imaginação, filme pornô, novela, ou masturbação.
...
- Você já tinha feito antes?
- Comecei com as cabritas do quintal e depois passei a ir todos os finais de semana na Clotilde.
- Clotilde?!
- Um cabaré bonzinho lá na beira da BR que corta minha cidade.
- Entendo...
- Paula?!  Ainda sobrou aquele Curimatá gostoso que sua mãe fez pro almoço?
- Sim. Fica aí. Eu vou buscar.
- E num esquece a farinha.
- Ok.

quarta-feira, agosto 17

O MIOLO DA ESTÓRIA – Por um pouco de originalidade

            É bom presenciar a concepção e o produto final de um espetáculo, sobretudo, quando não foi feito para fins empresariais, ou para a conclusão de mais uma disciplina do curso de teatro, onde vemos, no primeiro, a trama obtusa do capitalismo, e no segundo, a acrobacia do conceito. Teatro, de fato, apenas a carapaça, pois quem atua mesmo são outros fatores (as velhas Xerox da universidade e as campanhas publicitárias)  que estão fora do mérito da cena. Na peça O Miolo da Estória vemos que o prisma da autoria é irradiado a todo instante e que o resultado não é um processo hermético que nunca termina ou a lavagem cerebral promovia pelo Marketing, é um produto independente: uma obra de arte a ser analisada a fundo  e um trabalho que merece todo apoio financeiro.

” Teatro, de fato, apenas a carapaça, pois quem atua mesmo são outros fatores (as velhas Xerox da universidade e as campanhas publicitárias)  “
           

A linguagem utilizada pelo autor/ator, que enraíza o linguajar simples e popular, e a clareza das ideias do texto e da encenação, fazem desta peça um fragmento lírico da realidade nua e crua. Na fala do João (Lauande Aires), presenciamos o retrato do quotidiano, o trabalho duro que paga enquanto o corpo fica de pé e abandona assim que não pode mais contar com os braços do trabalhador, ao mesmo tempo, os bastidores do Bumba Meu Boi é exposto e, lá, vemos a brincadeira sendo descaradamente vendida, trocada por votos, apoiada enquanto eles podem ver, em cada brincante, um eleitor em potencial. Tais aspectos estão inseridos em um enredo simples e linear: a história de João, que quer ser um cantador, mas é o miolo do boi, peça importante para brincadeira, no entanto não visto e nem reconhecido pelos demais. O desejo de ser cantador é descartado imediatamente pelo dono da brincadeira. Frustrado, ele abre mão ser o miolo, no entanto ele fura o pé em um acidente e corre o risco de não mais trabalhar e de nunca mais poder brincar debaixo do boi.
Este é clímax da história e neste ponto habita o conflito: com o pé infeccionado, ele não tem mais de onde tirar o seu sustento, ao mesmo tempo, ele também está impossibilitado de dançar, a partir daí a figura do trabalhador explorado se encontra com a do brincante excluído e ambos fazem uma promessa para São Pedro para obter a cura.

Colocando o personagem nesta situação, o autor expõe dois olhares sob a brincadeira e o brincante: o primeiro, severo e crítico, fala sobre a sociedade, o trabalho duro e desumano, além disso, o espetáculo do auto do boi tendo que ser vendido e subordinado à políticos; o outro, fala de um aspecto esquecido e negligenciado da brincadeira, hoje em dia, tida mais como atração turística do que como algo que surge, sobretudo, da religião, do ritual, da pantomima, e não de grupos, ensaiados e coreografados, com brincantes esculpidos, às vezes, em academias.
Através da encenação, paradoxalmente,  Lauande Aires mostra que o brincante não é um simples ator e que o boi não é apenas um espetáculo. A realidade está presente e tem um hálito horrível que não deve ser ignorado em função da apresentação e seus recursos plásticos. Desta forma, ao decorrer da peça, podemos perceber a todo instante este desmascaramento quando vemos os elementos típicos do bumba meu boi sendo transformados em ferramentas da construção e os instrumentos de trabalho tornando-se elementos da festa: Um tamborim, vira um prato de comida, uma colher de pedreiro, vira uma colher de sopa, a escada, funciona como uma casa, latas de tinta se transfiguram em baldes e praticantes, duas peneiras de areia, juntamente com uma pá, montam uma bicicleta. O cenário não é inerte à cena, ele faz parte do jogo, ele transcende o sentido singular e constrói a cena. O deslocamento do significado dos objetos (re)utilizados reafirmam o drama e inserem-se dentro do contexto do espetáculo.
            Desta forma, a peça O Miolo da Estória que apesar do caráter fictício, poderia muito bem se chamar “O miolo da História”, pois busca uma forma de retratar a realidade por detrás daquilo que é propagandeado, os bastidores do brincante e do trabalhador, o sofrimento que não é mostrado e que não cabe nos cartões postais. O miolo do boi, da realidade, do brincante, do ajudante de pedreiro, do homem humilde e rústico, do ser humano que brinca, que crê, que chora, o miolo da sociedade que carrega baldes e mais baldes de concreto, que constrói com seu suor edifícios altíssimos, todavia, permanece nos escombros desta sociedade desigual e impiedosa. Estes pés escondidos por debaixo de um boizinho enfeitado e alegre que esconde mãos calejadas e um rosto sugado pelo cansaço, se movem, não só na brincadeira, mas no dia-a-dia dos centros urbanos: os Joãos que carregam o boizinho enfeitado, carregam também a grande cidade edificada.
            Portanto, O Miolo da História surge como um espetáculo autoral e dinâmico. É claro que nada surge do nada e que, obviamente, o autor deve ter se baseado em inúmeros teóricos e pensado em tirar algum para si, no entanto, diferentemente das inúmeras montagens de Brecht e das campanhas de educação para o trânsito e diabo a quatro, conseguimos ver, apesar das influências, uma peça original, um produto único, diametralmente oposto a sensação do “mais um novo mesmo teatro”.